É curioso que o anúncio de Persona 5 Tactica pegou os fãs de surpresa, mas, ao mesmo tempo, nem tanto. Dado o histórico de derivados da Atlus, era de se esperar que o estúdio japonês ainda tivesse planos para espremer mais um pouquinho o jogo mais aclamado e conhecido da franquia Persona até hoje.

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A surpresa fica para o gênero do derivado, que é um RPG tático ao estilo XCOM e Mario + Rabbids, mas com roupagem e mecânicas inspiradas em Persona 5. Confesso que, após Persona 5 Strikers, um spin-off memorável que expandiu a história do jogo principal, as expectativas para mergulhar nesse universo cativante novamente eram esperançosas.

O roubo de coração, no entanto, não foi completo. Em vez de ser algo complementar e marcante, Tactica chega com uma forte pegada de “filler” e acerta apenas na jogabilidade divertida e viciante, falhando na tarefa de recapturar e expandir o encanto do original.

De volta ao Metaverse

Curiosamente, a história de Persona 5 Tactica se passa no final de Persona 5, entre o fim do último Palácio e a separação dos Phantom Thieves. Com isso, a sensação é que o derivado cria uma lacuna inexistente no original, que não é lá muito convincente (apesar de canônico).

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Seja como for, a trama mostra o desaparecimento de um político importante de Tóquio, chamado Toshiro Kasukabe, o que faz a gangue liderada por Joker ser “sugada” novamente para dentro do Metaverse. Eles, então, precisam enfrentar quatro reinos para desvendar os mistérios por trás dessa nova manifestação cognitiva.

A história é tão simples e direta quanto parece, o que reflete na duração. Cada reino, por exemplo, pode ser concluído entre 5 a 8 horas, o que totaliza uma média de 25 a 30 horas ao todo — e, se você já encostou algum dedo em qualquer Persona, sabe que é um tempo bem enxuto em relação aos outros jogos da franquia.

Apesar de enxuto, Tactica também tem muitos diálogos, mas o jogo não apresenta texto em português brasileiro no lançamento (Imagem: Atlus/Captura de tela)

Mesmo com  tempo mais curto, Tactica mantém o espírito energético do grupo principal e acerta em tom, com uma pegada bem-humorada e sem deixar de encontrar um jeito leve para abordar temas densos, como líderes opressores, fome por poder e corrupção política.

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Dentro desse contexto, a novidade mais marcante é a introdução de Erina, a líder de um movimento rebelde e uma peça-chave da história, além de ser uma personagem jogável. Em contrapartida, a novidade menos marcante é Toshiro, que, na verdade, é o maior deslize da trama. Ele é um político cujos ideais batem de frente com os Phantom Thieves, o que faz com que a tarefa de torná-lo empático ao jogador seja meio complicada.

O que mais incomoda, no entanto, é o foco excessivo em Toshiro, chegando até a jogar os protagonistas para escanteio. Gradualmente, Joker e companhia passam a atuar como coadjuvantes dentro da narrativa. Um exemplo é como o político assume a liderança na formulação de planos e estratégias — algo que sempre estava nas mãos de Futaba, fazendo-a ser esquecida.

Não deixe a aparência fofa ou o glacê te enganar! Tactica aborda temas bem contemporâneos e densos (Imagem: Atlus/Captura de tela)

Simplicidade também é algo presente no visual de Tactica, que aposta em estilo chibi (ou seja, com dimensões pequenas). A identidade visual de Persona 5 se mantém na interface, mas todo o resto apresenta uma roupagem nova para a franquia — com, é claro, uma boa dose de fofura.

Apesar de ter algumas cutscenes com gráficos tridimensionais, as cenas de diálogos são totalmente 2D, nas quais os personagens aparecem “colados” nos cenários. Algo simples, mas que cumpre o objetivo. O que pode causar estranheza, no entanto, é quando personagens pequenos em altura (como o gato Morgana) entram em cena e simplesmente “flutuam” no ar, o que pode quebrar a imersão do momento.

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Erina chega até a brincar que “nada supera o original”, né? (Imagem: Atlus/Captura de tela)

A jogabilidade do Tactica é focada puramente no combate em turnos, sem áreas exploráveis ou “mapa de mundo”. A ideia é controlar três personagens em batalhas contra hordas de inimigos em diferentes cenários, usando as habilidades do trio e o próprio ambiente para sair vitorioso.

Cada personagem pode andar uma quantidade pré-determinada de espaços e usar apenas uma ação por turno, e os comandos básicos incluem ataque corpo a corpo, armas de fogo e se esconder atrás de objetos (o clássico sistema de “cover”).

Então, o desafio é estar dentro da área de alcance para os golpes serem efetivos, além de encontrar maneiras de estender o turno para ter ações extras e eliminar o máximo de adversários possíveis em uma só jogada — algo estrategicamente divertido e viciante!

Para estender o turno, é preciso empurrar inimigos para fora da cobertura e atacá-los em seguida, o que ativa o sistema “One More” e dá uma ação extra ao personagem (Imagem: Atlus/Captura de tela)

O que dá um toque único ao RPG tático, no entanto, é a presença de mecânicas inspiradas em Persona 5, como o Triple Threat, a versão do clássico “All-Out Attack” do Tactica. Ao estender o turno com um personagem, o jogador pode formar uma triangulação com a equipe para atingir todos os inimigos que estiverem dentro da área demarcada. Na prática, esse recurso é bem mais flexível e útil do que parece, sendo o ataque mais divertido e poderoso do jogo.

Há também ataques com Persona, que levam ao sistema de fusão no Velvet Room, comandado por Lavenza — que aparece mais engraçada e simpática do que nunca no spin-off. A fusão segue a mesma lógica da franquia, em que acontece o sacrifício de dois Persona para a criação de outro, mas é mais limitada.

Cada Persona pode carregar apenas duas habilidades, variando entre dano elemental e efeitos passivos. A maior novidade é que você pode equipar um Persona fundido em todos os Phantom Thieves (e não apenas Joker). Isso amplia as possibilidades de estratégia, uma vez que há golpes que aplicam efeitos diferentes aos inimigos.

Pela primeira vez em um jogo de Persona 5, Joker não é obrigatório na party, o que deixa o jogador livre para escolher os três personagens jogáveis (Imagem: Atlus/Captura de tela)

Apesar de ter uma pegada bastante estratégica, fica um sentimento de que Tactica não é tão desafiador quanto poderia ser. Isso acontece por causa da presença de mecânicas e sistemas que são convenientes até demais para favorecer o jogador.

As barras de vida e SP (“skill points”), por exemplo, são restauradas automaticamente entre as batalhas, um personagem nocauteado pode ser substituído por outro no meio da luta e dá até para desfazer o último turno se ele não sair como esperado. Além disso, há acesso livre para o Velvet Room a qualquer momento — até mesmo no início de cada combate.

Esse aspecto é levemente amenizado ao aumentar a dificuldade do jogo para a máxima (uma vez que há cinco dificuldades diferentes), a clássica Merciless. Só que, mesmo nela, a maioria das mecânicas que oferecem vantagem ainda estão presentes.

O verdadeiro desafio está nas quests secundárias, que dão objetivos mais complicados do que a campanha principal, como aniquilar um grupo inteiro de inimigos em um único turno, ou empurrar um objeto para uma área específica. Só senti falta de sistemas com foco “social” (algo com bastante peso em Persona 5), uma vez que há apenas diálogos opcionais para mais interações entre o elenco, que são poucos e bem curtos.

Um deslize do combate, porém, é não ter lutas contra chefes tão dinâmicas e inspiradas quanto as batalhas contra hordas, sendo repetitivas e demoradas (Imagem: Atlus/Captura de tela)

Como era de se esperar, Tactica tem uma música inédita de abertura pela cantora Lyn, também responsável pelas maiores pérolas de Persona 5 e Strikers. A faixa tem um toque roqueiro, o que é refletido nas outras canções novas do spin-off. Além das novidades, há músicas repetidas e versões alternativas da trilha sonora do jogo principal, como a do Velvet Room, do esconderijo e do Café Leblanc. Então, um sentimento familiar aparece com força durante a experiência.

Por fim, o jogo não apresenta recursos de acessibilidade, mas, por ter diferentes níveis de dificuldade e combate por turno, o ritmo é relativamente lento por ter pausas que dependem das ações do jogador — o que é convidativo para um público amplo, incluindo PcD (pessoas com deficiência). Porém, ainda existe a ausência de opções mais dedicadas.

Roubo não tão bem sucedido

Apesar de ter um combate que funciona e diverte, a sensação que fica é que Persona 5 Tactica não conseguiu ser um derivado marcante por ter uma história que coloca os Phantom Thieves como pano de fundo, sem aprofundar ou desenvolver mais os personagens e as interações entre eles (algo que Strikers, por exemplo, surpreendeu ao fazer).

Isso faz com que o spin-off seja, mais do que nunca, um forte sinal de que chegou a hora para a Atlus desapegar de vez do universo de P5 e fazer a franquia Persona voltar a andar para frente — e não em círculos.

Elenco original de vozes (tanto em inglês quanto japonês) está de volta no spin-off — e entrega atuações tão brilhantes quanto nos jogos anteriores de P5 (Imagem: Atlus/Captura de tela)

Seja como for, Tactica ainda é uma boa desculpa para curtir uma experiência divertida e descontraída que oferece algumas horinhas extras de reclamações do Morgana, frases icônicas do Ryuji e lições da Makoto. Não é exatamente o que os fãs esperavam, mas dá para matar as saudades dos carismáticos Phantom Thieves.


Esta review foi feita com uma cópia cedida pela SEGA.

Persona 5 Tactica será lançado no dia 17 de novembro para PlayStation 5, PlayStation 4, Xbox Series X|S, Xbox One, Nintendo Switch e PC. O jogo também está confirmado para o catálogo do Game Pass logo no lançamento.

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