Bruxas fazem parte do imaginário popular, que estão frequentemente ligadas a lendas sobrenaturais e de terror. Na história do mundo real, várias mulheres tiveram finais trágicos apenas por receberem tal título, e a cultura pop retrata versões variadas dessas feiticeiras.

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É normal produções voltadas para o entretenimento trazerem a figura da bruxa como uma loba solitária no meio de floresta ou, de forma mais moderna, como membro de um Coven, mas The Cosmic Wheel Sisterhood, novo jogo da Deconstructeam, coloca o tema, literal e figurativamente, dentro de um cosmos bastante criativo e surpreendente.

[The Cosmic Wheel Sisterhood possui gatilhos relacionados a automutilação, depressão, suicídio e uso de drogas.]

Em The Cosmic Wheel Sisterhood, o jogador controla as decisões de Fortuna, uma bruxa-cartomante que foi sentenciada a um milênio de exílio em um asteroide, sem acesso as suas cartas de Tarot ou possibilidade de receber visitas. Depois de 200 anos de solidão vagando pelo cosmos, a protagonista invoca Ábramar, um ser antigo e proibido, na esperança de fazer um pacto e recuperar sua liberdade.

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Porém, consequências e verdades são reveladas ao longo dessa missão, dando à Fortuna o poder de salvar ou condenar não apenas seu Coven, mas o universo inteiro.

A Deconstructeam também é desenvolvedora de títulos como The Red Strings Club e Gods Will Be Watching (Deconstructeam/Devolver Digital/Reprodução)

Quem controla: o cartomante ou o Tarot?

A jogabilidade de The Cosmic Wheel Sisterhood é básica, trazendo muita leitura, escolhas de linhas de diálogo e cliques em poucas zonas da casa de Fortuna. Fortalecendo a ideia de exílio e entregando o que é necessário, não há muito o que explorar no domicílio flutuante – com exceção do baralho que a protagonista produz.

A mecânica que mais se destaca e que mais ocupa o tempo do game, sem dúvida, é a criação das cartas de Tarot. Com base na quantidade de energia elemental que o jogador acumula através de leituras (em mais de um sentido), é possível escolher planos de fundo, personagens/arcanos e elementos extras para produzir cartas – que serão usadas, aleatoriamente, em outras leituras, num ciclo que vai até o final do jogo.

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Com exceção de alguns itens obrigatórios, a composição das imagens é livre, permitindo que o player exercite sua criatividade artística. Tal montagem não é inovadora, mas descobrir o significado de cada criação vira uma experiência instigante. Além disso, as cartas criadas para o deck ganham mais importância após revelações da história, pois, como é explicado mais de uma vez pela protagonista, são elas que realmente ditam os caminhos narrativos — bons ou ruins — que serão disponibilizados para seguir a narrativa.

Essa relevância das cartas do Tarot se renova da metade para o final do jogo, o que é muito bem-vindo , pois prova a valor das escolhas que o player faz durante os diálogos. Por mais tempo do que deveria, não há a sensação real de que as decisões tomadas tem efeito na trama — e esse sentimento de responsabilidade pelo destino deve ser um dos grandes objetivos de títulos como The Cosmic Wheel Sisterhood, focados em uma narrativa interativa.

Felizmente, o jogo reverte alguns deslizes e compensa parte de sua natureza básica nos dois arcos finais do enredo, apresentando trechos narrativos inusitadamente mais confiantes. Por consequência, a própria jogabilidade se transforma, indo de escolhas de diálogos e criação de cartas para um surpreendente game de gerenciamento e tribunal — que reconquista o interesse do jogador cansado de realizar ações repetitivas.

No entanto, essas mesmas mudanças positivas se tornam uma faca de dois gumes, pois dão visibilidade reforçada para os grandes problemas de The Cosmic Wheel Sisterhood : organização e balanço.

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As carta do Tarot podem ser criadas com múltiplos elementos. Se a carta for usada em uma leitura, ela recarregará certa quantidade dos elementos que carrega (Deconstructeam/Devolver Digital/Reprodução)

Conclua bem, mas com equilíbrio

The Cosmic Wheel Sisterhood entrega, como comentado anteriormente, uma história distinta do que fãs de tramas sobre bruxas em games normalmente recebem, em um grande acerto. O desenrolar da trama vai para um caminho singular, que concentra uma intensidade surpreendente nos momentos conclusivos, mostrando as verdadeiras consequências das decisões tomadas até ali. No entanto, é nesse ponto que se mostra o problema principal do jogo: guardar boa parte de suas cartas para o final.

A história do game pode ser dividida em metades. A parte inicial define um tom para o universo de The Cosmic Wheel Sisterhood, com diálogos que buscam abrir a mente do player para refletir sobre a vida e entender as formas de magia do mundo proposto. O carisma da trama é sustentado pelas interações sarcásticas e, de certa forma, afetuosas entre Fortuna e Ábramar, além de alguns personagens que são introduzidos com personalidades bem definidas e visuais únicos.

Porém, o desequilíbrio é sentido no segundo grande momento do título, que transforma tudo em uma eleição entre bruxas (no sentido mais literal da expressão). Apesar de dar vigor para a trama, os preparativos para “os finalmentes” se estendem além do divertido, cansando o jogador para chegar em um destino definido muitas ações antes — fato que é, inclusive, dito mais de uma vez pelos próprios personagens.

Paralelamente, muitas bruxas coadjuvantes, que despertam interesse, são apresentadas rápido demais. É completamente entendível que o game possui uma situação-foco e que não há a pretensão de expandir a gameplay para aventuras adjacentes, mas, infelizmente, o gosto de potencial desperdiçado pode ser sentido.

Outro ponto que não passa despercebido é que a exposição do passado de Fortuna e outros personagens acontece de maneira confusa dentro das linhas de tempo.  Por vezes, o jogador precisa sair da imersão, a fim de entender quais são os vínculos entre as pessoas ou que momento da vida da protagonista está sendo exposto – o que, neste caso, delata a necessidade de um melhor ajuste nos timmings ou ganchos de flashbacks.

The Cosmic Wheel Sisterhood faz algumas referências engraçadinhas a outros jogos famosos, como Elden Ring e Minecraft (Deconstructeam/Devolver Digital/Reprodução)

Por fim, a trilha sonora de The Cosmic Wheel Sisterhood não irrita, não enjoa, não se destaca e nem faz tanta falta. Em outro contexto, ela certamente poderia fazer parte de alguma “playlist instrumental para relaxar” em plataformas de streaming musical — e isso está longe de ser uma crítica negativa.

Sobre ferramentas e recursos fora da campanha, o jogo não possui tradução para o português — os idiomas mais acessíveis são o inglês, o espanhol e o francês. Além disso, não há ferramentas focadas em acessibilidade.

The Cosmic Wheel Sisterhood é um jogo reflexivo que explora um lado inabitual das histórias de bruxas. Apesar da jogabilidade básica e de deslizes de construção narrativa e ritmo, as mecânicas oferecem um “feijão com arroz bem feito”, que resulta em uma gameplay com um bom nível de personalização, enquanto a história surpreende ao não se afundar no que é esperado.

O jogo, com certeza, é uma experiência mais prazerosa para quem tem a mente aberta para a magia e diversidade do universo, mas mensagens são reservadas a todos que já pensaram sobre passado, presente e futuro.


The Cosmic Wheel Sisterhood está disponível para PC e Nintendo Switch.

Essa review foi feita com uma cópia do jogo cedida pela Deconstructeam e pela Devolver Digital.

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