Luta-livre e videogames têm muito em comum. Ambos são universos próprios em que tudo é exagerado, marcado por dramas intensos, humor muito particular e ação ousada. A intersecção entre esses dois mundos sempre se limitou aos jogos de esporte, como os WWE 2K e similares. WrestleQuest quer mudar isso ao levar luta-livre para um universo de RPG clássico.
O game da desenvolvedora norte-americana Mega Cat Studios é uma homenagem à bizarrice do mundo do wrestling, que conta até com a presença de nomes reais da WWE. É também uma experiência arrastada, repetitiva e cheia de decisões questionáveis.
Gigantes do Ringue
WrestleQuest se passa em um mundo fantasioso dentro de uma caixa de brinquedos, onde bonecos de todo tipo e action figures levam luta-livre muito a sério, como é o caso do Muchacho Man. O boneco busca fazer um nome para si próprio nos ringues, tendo como principal inspiração o eterno “Macho Man” Randy Savage, um dos mais famosos lutadores da WWE, que lutou entre 1985 e 2000.
Tomado por sua enorme ambição, Muchacho Man parte em uma jornada para se juntar à uma organização de wrestling, conhecendo o vasto mundo da caixa de brinquedos e fazendo aliados inusitados pelo caminho. É uma típica jornada de RPG, mas com um gostinho de “rumo ao estrelato”.
Essa é a maior força do game. Ao mistificar muitos dos elementos do ringue, a jornada exalta o quão marcante e cheio de personalidade é o mundo da luta-livre. O jogo consegue capturar muito do carisma que fez programas como Raw e Smackdown tão viciantes de assistir, com seus lutadores exagerados e dramas pastelões.
É uma obra feita a partir de amor genuíno por figuras como Randy Savage, Andre the Giant, Hulk Hogan, e muitos outros. Isso se manifesta no quão legais são os personagens, que trazem roupas coloridas e trejeitos memoráveis. Ainda que a trama seja contada só por texto, os personagens emitem alguns bordões que ajudam a transmitir a ideia de veteranos do ringue. Ouvir Muchacho Man soltando frases em espanhol ou um “Oooooh yeah” não deixam dúvidas de que ele seria uma lenda do ringue, se existisse na vida real.
O carinho pela luta-livre não é só temático. O game incorpora muitos elementos à jogabilidade, como a possibilidade de criar sua própria entrada ao ringue, ou então o combate permitir jogar oponentes nas cordas e fazer ataques em dupla. Mas é aí que os grandes problemas de WrestleQuest começam a aparecer.
Luta complicada
Conduzido como um RPG clássico, como um Final Fantasy 2D ou um Breath of Fire da vida, o game traz exploração em visão isométrica e combates por turnos. Parece que não houve intenção alguma de pensar a obra em termos mecânicos, já que todos os truques são esgotados logo na primeira hora, ainda que a experiência total fique por volta das 40 horas de duração, segundo os próprios desenvolvedores.
Salvo pelo carisma dos personagens, o amor pela temática e uma ótima pixel art, WrestleQuest deixa a desejar em quase todos os outros departamentos, já que nada é minimamente aprofundado ou desenvolvido.
A exploração do game é simplista e há poucos incentivos para sair do caminho principal. É possível interagir com NPCs, mas eles não fazem nada além de soltar uma única frase, sem possibilidade de resposta ou qualquer outra ação. Mesmo cidades grandes são marcadas por ambientes repetidos, como casas e quartos idênticos e sem nada de interessante para encontrar. Junte isso com os personagens estáticos e o resultado é um mundo extremamente artificial, noção que RPGs antigos se esforçaram muito para combater.
Na tentativa de justificar a exploração do mapa gigante, o máximo que o jogo faz é colocar alguns baús para serem colecionados e só. A customização enfadonha, em que se coleciona tralha para criar itens, não dá ânimo de ir atrás desses baús quando tudo que eles podem te entregar são partes e materiais. É uma pena que o sistema não deixa fazer modificações mais extensas ao personagem jogável, o que poderia incentivar a imersão do jogador nessa história de ascensão de um lutador.
O que torna WrestleQuest realmente arrastado, porém, é seu combate. Para se manter fiel aos RPGs antigos, a ação se dá por turnos. Esse ponto realmente não é um problema. O que complica é a enorme repetição, motivada por um sistema raso de pontos de ataque e pelo excesso dos infames quick time events.
Toda luta consiste em um gerenciamento sem graça de pontos de ataque, que fazem com que as brigas sejam reduzidas a golpes tímidos para drenar barras de vida e só então aplicar movimentos mais ousados. O papel do jogador no meio disso tudo é apertar alguma direção na hora certa, seja para desferir uma habilidade especial, para se defender ou atacar um oponente que bateu nas cordas.
A imobilização, em que se prende o rival contra a lona enquanto o juiz conta até três, se dá por um mini-game sem graça. Mesmo a entrada ao ringue, quando seu lutador chega cheio de marra e fogos de artifícios, acontece em uma sequência de QTEs, que dá uma artificialidade irritante para algo que poderia ser bem mais legal.
Tudo isso cansa rapidamente. Os combates não são nada dinâmicos ou mesmo desafiadores, apenas repetitivos e pouco inspirados. Depois de poucos confrontos, se torna quase necessário evitar encontros aleatórios ou qualquer situação que possa resultar em uma tediosa batalha. E quando lutar se torna a parte mais arrastada de seu jogo de luta-livre, isso é sinal de que algo deu muito errado.
É uma pena que WrestleQuest não fique a altura da sua excelente premissa. Luta-livre é um mundo maravilhoso que merece ser explorado e valorizado além da lógica dos jogos de esporte. Um RPG parece o lugar ideal para isso, já que a fantasia sabe como exaltar histórias de ascensão, viradas dramáticas e grandes rivalidades, assim como os lutadores fazem semanalmente nos ringues.
Só que é preciso pensar a experiência mais a fundo. Do jeito que foi feito, parece que os desenvolvedores se deixaram levar pela piada “juntar RPG clássico com wrestling” e esqueceram que um RPG de 40 horas precisa ser intrigante além de sua temática. Até certo ponto, é possível entendê-los — é uma ótima piada.
WrestleQuest está disponível para PC, Xbox One, PlayStation 4, Nintendo Switch, Xbox Series X | S e PlayStation 5. As versões de Android e iOS estão disponíveis no catálogo da Netflix. A review foi feita com base na versão de PC, disponibilizada pelos desenvolvedores.