Ao longo da última década, o Brasil passou a investir pesado na produção televisiva, muito por conta do incentivo de políticas de cota de tela. Dentre as várias séries que surgiram, é perceptível que há uma enorme preferência — seja dos criadores ou por demanda do público — para contar histórias de ação.
Na TV e no streaming, obras como Cangaço Novo, Impuros, Carcereiros, Arcanjo Renegado e muitas outras dominam a atenção de espectadores sedentos por perseguições, suspense e dramas puramente nacionais. Nesse cenário proveitoso, DNA do Crime chegou para repetir o sucesso na Netflix.
Criação de Heitor Dhalia (O Cheiro do Ralo), o projeto é uma das séries brasileiras mais caras da plataforma. O motivo? Investimento pesado em cenas de ação impressionantes, tiroteios, carros capotando e mais, com auxílio até de equipes internacionais, que transmitiram conhecimento de Hollywood para os profissionais brasileiros.
“Estou adorando ver um monte de séries de ação”, falou Maeve Jinkings em entrevista ao NerdBunker. A atriz, que vive a protagonista Suellen, vê o projeto como uma evolução da televisão brasileira: “Estamos evoluindo em técnica e dramaturgia. É a primeira vez que faço esse gênero e aprendi uma série de coisas. Acho que isso forma nossa indústria e forma profissionais com intimidade com esse gênero, que é mundial, tem demanda enorme.”
Ambientada na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, a série acompanha os policiais Suellen e Benício (Rômulo Braga) tentando desmantelar uma poderosa organização criminosa que atua nos dois países. Ao mesmo tempo, a dupla enfrenta uma relação turbulenta e diversos dramas pessoais, que vão de problemas familiares à questões de saúde mental.
A obra é território novo para Maeve Jinkings. A atriz de Brasília tem uma longa carreira de feitos notáveis em produções mais dramáticas, como a dobradinha O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), ambos de Kleber Mendonça Filho (Bacurau, Retratos Fantasmas), Boi Neon (2015) e a série Os Outros (2023).
A atriz contou que, como DNA do Crime é baseada em fatos, pesquisar o papel foi como uma aula sobre a criminalidade no Brasil:
“A série tem o diferencial de trazer um trabalho documental. Ainda que [a trama] seja ficcionalizada, a pesquisa que a equipe do Heitor e os roteiristas fizeram dessa realidade e dessa rede ultra complexa, que é a relação entre de uma parte corrupta da polícia com os traficantes – eu não tinha um avo de dimensão da complexidade até a série me trazer isso. A contribuição [da série] é entrar nesse gênero com uma história que é nossa, que é muito latina.”
Romulo Braga, intérprete do policial cabeça-quente Benício, complementou a fala da colega, dizendo: “E tem essa perspectiva da Polícia Federal, que é uma inauguração de um segmento novo nesse gênero. Não vi nada do tipo”, afirmou. “Tentar contar a história desta corporação me parece interessante.”
Curiosamente, essa não é a primeira vez que Maeve Jinkings e Rômulo Braga trabalham lado a lado. Na real, não é nem a segunda. A dupla já encarou vários projetos juntos, como o curta Quando a Terra Treme (2017), de Walter Salles, e o drama Carvão (2022), de Carolina Markowicz. No filme, vivem Irene e Jairo, casal pobre do interior de São Paulo cuja realidade é abalada por uma oferta perigosa, difícil de recusar.
Os atores contaram que foi a possibilidade da reunião que fez com que topassem participar de DNA do Crime. “Fiquei com vontade de fazer esse projeto quando soube que o Rômulo tava [sic]”, falou Maeve Jinkings, aos risos. “Quando me disseram que ele seria meu parceiro, fiquei afim de fazer. Acho que, realmente, quem conta as histórias faz a diferença.”
Rômulo Braga devolveu o elogio da colega, dizendo: “A Maeve é uma profissional muito interessante, muito concentrada, intensa e entregue. […] Estávamos muito imersos na pesquisa dos personagens e na proposta da série. Nos lançamos na novidade para fazer o que precisava ser feito. Foi um primor de intensidade.”
Ainda assim, a irônica virada brusca de gênero, de um filme dramático para uma série de ação, não foi perdida pelos atores, como explicou Maeve Jinkings aos risos:
“No começo foi muito engraçado, mas depois eu abstraí e passei a ver apenas a Suellen e o Benício. No início, eu brincava dizendo ‘Gente, a Irene e o Jairo estão em cima da lancha carregando uns fuzis’.”
O Brasil, o crime e o mundo
Mas o que justifica a Netflix — e tantas outras emissoras — investir em uma série de ação? O que será que torna histórias policiais tão chamativas para o espectador brasileiro? Para Maeve Jinkings, a relação da América Latina com crime e segurança pública pode ser a chave para o interesse do público.
“Tem a ver com a nossa realidade. A questão da segurança pública é uma das maiores que nós temos. Sendo brasileiro e latino, sentimos uma relação com a segurança pública ao sair do país. Acho que é parte do nosso cotidiano, esse fascínio que temos com crime e polícia tem a ver com uma sensação de quase alívio, fazendo uma análise toscamente psicanalítica.
É como dizer ‘Estou sobrevivendo para ser espectador dessa história, e não estou no centro dela’. É um gênero muito popular no mundo inteiro mas, particularmente para nós, acho que tem esse traço muito presente na nossa vida.”
Mesmo assim, DNA do Crime parece feita sob medida para exportação. Não é nenhuma surpresa, visto que o alcance global da Netflix pode impulsionar essa trama muito além das fronteiras brasileiras.
Rômulo Braga acredita que o programa — chamado no exterior de Criminal Code — pode se conectar com gente do mundo todo:
“Concordo que seja uma história muito brasileira e latina, já que é a fonte desse estudo, mas acho que é uma história de interesse internacional. O Brasil é um país que é visado pelo resto do mundo, as pessoas de fora se interessam pelas coisas do Brasil.
Vemos isso pelo cinema, como o audiovisual é recebido fora do país. O assunto também perpassa fronteiras. Acho que é uma série que tem poder de comunicação com outros lugares.”
No Brasil, DNA do Crime já começou a fazer sucesso. No momento, apenas dois dias após a estreia, a série já subiu ao primeiro lugar do Top 10 da plataforma no país. Os dados do exterior ainda não foram divulgados pela Netflix, que libera o ranking global semanalmente, às terças-feiras.
De qualquer forma, não seria surpreendente ver uma série brasileira fazendo sucesso no exterior, como já aconteceu no passado com 3%, por exemplo. Com temática intrigante e bons personagens, há uma chance de estourar pelo mundo.
“A gente vive em um mundo tão globalizado. A gente vicia em série coreana, dinamarquesa”, afirmou Maeve Jinkings, acreditando na possibilidade de renome internacional para o projeto. “Quando essas histórias são bem construídas e tem personagens bem desenvolvidos, têm potencial e poder universal.”
Com oito episódios, DNA do Crime já está no catálogo da Netflix.