No ar desde 2019, The Boys teve a manha de pegar um gênero tão na moda (no caso, os filmes e séries de super-heróis) e jogar num liquidificador de sangue, tripas e personagens moralmente questionáveis para um produto que, se não é exatamente novo, ao menos traz algum frescor.
Com três temporadas no Prime Video, a série conquistou fãs com protagonistas que odiamos amar e antagonistas que amamos odiar, indo além da baixaria e das cenas absurdas ao entregar uma trama envolvente. É uma pena que, na hora da inevitável “franquialização” da série (sem contar a animação Diabólicos, que não é cânone), o criador Eric Kripke e companhia larguem com uma derrapada tão grande como Gen V.
A série derivada acompanha o cotidiano na Universidade Godolkin, responsável pela formação acadêmica dos jovens heróis da poderosa Vought. O espectador chega ao campus pelos olhos de Marie Moreau (Jaz Sinclair) e seus poderes de controle do sangue. Junto do “clube dos cinco” Andre (Chance Perdomo), Cate (Maddie Phillips), Jordan (Derek Luh/London Thor), Emma (Lizze Broadway) e Luke (Patrick Schwarzenegger), Marie descobre que a universidade esconde segredos perigosos que ameaçam heróis do mundo todo.
Chega a ser irônico que, na ficção, Gen V seja o estágio que os supers precisam passar antes de ir ao combate ao crime pra valer, porque, na vida real, a série não só faltou às aulas de tudo o que faz a série original ser boa, como tomou todas as lições erradas do que tornou The Boys um fenômeno.
Jovens, envelheçam!
Por algum motivo, Gen V acreditou cegamente no conto de que “se a trama é jovem, tem que ter oba-oba”. A estratégia do humor de quinta série, que, sinceramente, já encheu um pouco a paciência até na produção original, é elevada à enésima potência no derivado. Ou seja, se acostume com sangue, órgãos genitais explodindo e porradaria desenfreada.
A diferença crucial é que, se The Boys usa o choque como chamariz, mas cozinha uma trama a mais por baixo da banheira de sangue, Gen V se contenta em ser o irmão mais novo que está toda hora pentelhando e achando a chuva de tripas o máximo. E, pior ainda, sem um elenco carismático que segure a trama toda.
Sinclair, Perdomo, Phillips e companhia não convencem nem na simpatia, nem na antipatia. Se a graça do universo The Boys é torcer por protagonistas com dois pés na linha da vilania, como Billy Bruto (Karl Urban), e um “herói” vilão que, mesmo capaz das maiores atrocidades, tem uma presença magnética, como o Capitão Pátria (Antony Starr), a turminha de Gen V desperta apenas apatia. Quando uma série apresenta nada menos que seis protagonistas, e nenhum deles desperta um mínimo da sua atenção, tem algo muito errado.
Os jovens supers se embrenham num mato sem cachorro maior ainda quando analisamos o roteiro. Construído quase como um checklist de tópicos que não podem faltar em séries teen, o texto passeia pelos oito episódios com temas que se veem em boa parte de produções atuais como Euphoria (HBO), mas com a profundidade de uma poça. Problemas com os pais? Check. Saúde mental? Check. União de pessoas diferentes pelos mesmos traumas? Não, isso não (mentira, lógico que tem).
O desperdício é que, debaixo de todo o drama adolescente, há pelo menos uma história verdadeiramente interessante em Gen V, mas que fica em segundo plano para que mais corpos explodam em tela.
Por baixo dos panos, Godolkin é uma fachada para experimentos científicos liderados pelo Dr. Edison Cardosa (isso, mesmo, com A), vivido pelo brasileiro Marco Pigossi. O trabalho do médico deve influenciar boa parte do futuro de The Boys, incluindo a já confirmada segunda temporada da própria Gen V.
O querido leitor pode achar injusto a comparação constante do derivado para com a série original, mas, nas oito horas de enredo, a balança se justifica pela necessidade constante de enfiar referências a The Boys em praticamente cada cena.
O espectador mais maldoso poderia até inventar alguma espécie de prenda a cada vez que algum evento, algum cartaz, ou um mínimo detalhe que estampe a cara de algum dos protagonistas da série original apareça em cena.
Essa dependência confirma a impressão de que Gen V tem medo de caminhar com as próprias pernas, a todo momento nos lembrando de que “Ei, pessoal, isso aqui é The Boys, hein!”.
Em linhas gerais, Gen V funciona como uma espécie de “sobremesa de luxo”, com momentos que até enrolam a fome dos fãs mais ávidos por qualquer novidade do mundo da Vought, mas que não se livra do estigma de produto para ganhar alguns trocados na espera entre temporadas.
Lógico que, assim como na vida escolar real, há sempre a chance de Gen V aprender e evoluir com os erros, mas urge a necessidade de pelo menos alguns exames de recuperação pelo caminho.
Todos os episódios de Gen V e as três temporadas de The Boys estão em catálogo no Prime Video. Siga de olho no NerdBunker para mais novidades diabólicas. Aproveite e siga a gente no Instagram e TikTok, entre no nosso grupo no Telegram e participe do canal no WhatsApp.