Mortal Kombat completou 30 anos desde o lançamento nos consoles, em 1993. Discutir a franquia costuma seguir para um desses polos: o passado nostálgico, como o choque pela violência gráfica dos clássicos, ou então os ótimos títulos atuais, com tramas divertidas, sanguinolência absurda e intrigante cena competitiva. No meio disso tudo, há toda uma fase que costuma ser esquecida.
Depois de mudar a indústria de games para sempre com uma trilogia muito prestigiada, tanto nos arcades quanto nos consoles domésticos, a franquia passou a explorar o mundo 3D, pegando carona no sucesso de competidores como Tekken.
Essa era contou com apenas quatro títulos — Mortal Kombat 4 (1997), Mortal Kombat: Deadly Alliance (2002), Mortal Kombat: Deception (2004) e Mortal Kombat: Armageddon (2006). A transição de estilos não foi exatamente leve e graciosa mas todos fizeram sucesso. Ainda assim, isso não é lembrado pela fase atual.
Mortal Kombat 1 busca mudar isso. O recém-lançado game se porta como um reboot, mas logo deixa claro ser uma grande homenagem à era mais estranha e experimental de toda a franquia.
Velhos rostos
O maior aceno aos jogos 3D é altamente perceptível. A lista de 24 lutadores vai além dos nomes conhecidos para resgatar personagens que estrearam no começo dos anos 2000 e acabaram ficando por lá mesmo.
Nomes como Nitara, Ashrah, Li Mei, Havik e Reiko não chega perto da popularidade de Liu Kang, Sub-Zero ou Scorpion, mas ainda assim recebem bastante destaque no Modo História do novo game, com personalidades bem definidas e papel integral na trama. Aos novatos, é até possível desconfiar de que são adições inéditas, mas nenhum dos cinco tem menos de 17 anos de existência.
A NetherRealm mergulhou no próprio baú de memórias para encontrar algumas das criações passadas com mais potencial de brilhar em uma repaginada. Isso se estende no elenco de Kameos, lutadores que servem apenas para dar assistência, que conta com nomes ainda mais inusitados, como Darrius, Motaro e Shujinko, o protagonista do Modo Konquest de Mortal Kombat: Deception.
Quando o game resgata alguém como Sareena, lutadora que fez sua estreia no infame Mortal Kombat Mythologies: Sub-Zero (1997), é certo de que há esforço consciente em buscar personagens obscuros. “Faz tempo que não valorizamos os personagens da era 3D”, reconheceu Ed Boon, cocriador da franquia e diretor de Mortal Kombat 1, em entrevista ao NerdBunker.
Segundo ele, o estúdio percebeu que era hora de dar espaço para o “lado B” do elenco, que ajudou a consagrar grandes títulos, mas não foi resgatado para as eras modernas:
“Desde o começo, queríamos mudar isso. Os jogadores parecem estarem amando ver Li Mei, Ashrah e vários outros que não viam há um tempo.”
Velhos conflitos
A influência dos jogos 3D não se limita à seleção de personagens. A trama, por mais que ambientada em um novo universo, reflete muito das intrigas e viradas inicialmente introduzidas naquela fase.
[Cuidado! Spoilers do Modo História de Mortal Kombat 1 abaixo]
De início, Mortal Kombat 1 foca na origem dos lutadores do universo perfeito de Liu Kang, novo Guardião do Tempo. Os problemas que aparecem, porém, são antigos: logo fica evidente que Shang-Tsung está se tornando uma ameaça para a linha do tempo, especialmente quando ele se junta ao feiticeiro sombrio Quan Chi.
Essa união é a premissa de Mortal Kombat: Deadly Alliance, como bem sinalizada no subtítulo — que, por sua vez, é citado por Liu Kang quando descobre o plano de seus antigos rivais.
Não é a única vez que um clássico 3D é citado por nome na campanha. A reta final, que traz toda uma batalha entre lutadores de várias realidades, traz à mente o caos da abertura de Mortal Kombat: Armageddon. O novo jogo não só se aproveita desse paralelo, ambientando em cenário e estética parecidos, como também batiza o capítulo final de “Armageddon”.
Já Mortal Kombat: Deception pode não ter sido citado diretamente, mas sua premissa também influencia eventos do game. No clássico de 2004, Shang Tsung e Quan Chi buscam dominar os reinos por meio do uso do Exército Invencível do Rei Dragão. Ainda que o vilão Onaga não dê as caras, os dois feiticeiros de fato tentam ressuscitar o exército e controlá-lo por meio do amuleto de Shinnok.
É claro que não poderia ficar de fora, visto que Ed Boon admitiu ao NerdBunker de que Deception é o seu favorito daquela fase da franquia: “Era o mais equilibrado”, afirmou, se referindo a quantidade de conteúdo, inovação e trama intrigante.
É especialmente curioso que o game que promete ser um reboot beba justamente dos títulos que ajudaram a complicar a mitologia da franquia. Afinal, após o caos grandioso dos quatro jogos 3D, a cronologia ficou tão bagunçada que a NetherRealm buscou o primeiro reboot na forma de Mortal Kombat (2011).
Velhas brincadeiras
O tributo final de Mortal Kombat 1 é mais sutil e vem na forma do Invasão, um modo adicional que combina lutas com jogo de tabuleiro. O objetivo é avançar por cenários, uma casa por vez, enfrentando inimigos e fazendo desafios. É um modo que expande as opções single-player do game, mas sem a seriedade da campanha ou a competitividade do multiplayer.
No passado, os jogos de Mortal Kombat sabiam bem como fazer isso com vários minigames inventivos. A franquia, tão conhecida pelo seu sangue e lutas intensas, já colocou seus lutadores em partidas de xadrez e até corridas de kart.
Ainda que não seja tão inventivo ou “fora da caixinha” assim, Invasão traz esse mesmo gostinho. O tutorial do modo te coloca para explorar a mansão de Johnny Cage, com cinema que passa o trailer do jogo, fliperamas de clássicos da saga e, claro, monges dançando break.
Segundo Ed Boon, faz tempo que a NetherRealm queria fazer algo descontraído, tendo cogitado até alguns derivados:
“No futuro, adoraria fazer algo assim de novo. Já discutimos a ideia de lançar o Chess Kombat (xadrez com personagens da franquia) ou Puzzle Kombat (board game com os lutadores) como jogos de celular. Fizemos tanta coisa ao longo dos anos que não podemos retomar tudo em um jogo só, então precisamos escolher o que resgatar.”
Inclusive, é justamente a inclusão desses dois modos em Deception que consagra o título como o favorito do cocriador. Em retrospecto, Boon ficou surpreso em lembrar como a equipe conseguiu criar um jogo tão completo assim:
“Quando paro e penso, é inacreditável o quanto nós fizemos. Acho que Deception tinha quebra-cabeças, xadrez e o Modo Konquest. Nem acredito que colocamos tanta coisa naquele jogo.”
No fim das contas, é esse o efeito que Mortal Kombat 1 desperta: a memória de como os jogos 3D da franquia eram competentes. Repletos de conteúdo, momentos absurdos e lutadores únicos, é uma era da franquia que merece tanto destaque quanto a trilogia clássica.
Com os jogos de PS2 se tornando cada vez mais nostálgicos, o novo game pode sim inspirar a devida apreciação pelos títulos do passado. Antes tarde do que nunca, né?
Mortal Kombat 1 chega em 19 de setembro para Xbox Series X | S, PC e PlayStation 5.