“Eu assistia Cardcaptor Sakura e, de repente, na escola, conversava com outras colegas e elas também assistiam. Fiz novas amizades”, diz Giselle Alves, ao lembrar da primeira vez que assistiu Cardcaptor Sakura (ou Sakura Card Captors) no Cartoon Network, na casa da tia, quando tinha apenas três anos de idade. Como ela, milhares de crianças e adolescentes do Brasil passaram a acompanhar as aventuras da menina Sakura quando o anime começou a ser exibido por aqui, nos anos 2000.

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No Japão, a animação estreou há 25 anos contando a história de Sakura Kinomoto, uma estudante comum de 10 anos de idade, que se torna uma Cardcaptor e começa a buscar as cartas Clow. Em terras brasileiras, o anime começou a ser exibido na TV paga e depois foi para a TV Globinho, se tornando um clássico entre fãs de animes e mangás, que lembram da obra com carinho. Um exemplo é a cantora Pabllo Vittar, que homenageou a pequena caçadora Carnaval do Galo da Madrugada deste ano, em Recife.

Mais de duas décadas depois, Sakura segue conquistando novos corações – e podemos provar.

Na época em que o cenário otaku era mato

Mas, antes, vamos lembrar como tudo começou. A cultura otaku brasileira deve muito a nomes conhecidos da “velha guarda”, como Seiya e Os Cavaleiros do Zodíaco, Yusuke e o time Urameshi de Yu Yu Hakusho e à Serena (ou Usagi), de Sailor Moon. Todos esses personagens ajudaram a abrir os caminhos na década de 1990 para a onda de animes na TV.

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Em uma época em que a internet era apenas discada e serviços de streaming nem sonhavam em existir, a TV era o principal meio de acesso ao entretenimento em casa. Em 2000, 87% dos lares brasileiros tinham, ao menos, uma TV em casa, segundo dados do IBGE. E só 10,55% tinham computador.

O sucesso dos animes na TV aberta foi tanto, que se transportou para fora das telas. Os Cavaleiros do Zodíaco (dos de Ouro aos de Bronze) estampavam vitrines de lojas de brinquedos com bonecos de vários tipos. Já as bonecas de Sailor Moon dividiam espaço com as Barbies.

Imagens da Revista Clube Sakura, publicada em paralelo ao mangá (Editora Conrad/Reprodução)

Nas bancas, o mangá de Cardcaptor Sakura foi um dos primeiros a chegar, em 2001, antecedido por títulos como o já citado Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball. O modelo de publicação era meio-tanko (como “metade de um volume do original japonês”. Esse foi o primeiro modelo de mangás que chegou ao Brasil), pela editora JBC. Havia ainda a revista Clube Sakura, pela editora Conrad. Embora o anime em si não tivesse produtos licenciados, era possível acompanhar a história de Sakura em outro formato além do animado – o que, para os otakus da época, era surpreendente e confortante.

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Mas há uma característica interessante no meio de tudo isso: a esmagadora maioria dos animes que chegavam no Brasil eram, basicamente, Shonen – demografia cujo público-alvo são meninos adolescentes, com protagonistas da mesma faixa etária, com poderes e força para lutar contra o mal.

Animes como Sailor Moon e Guerreiras Mágicas de Rayearth, exibidos na extinta rede Manchete e no SBT, respectivamente, eram alguns poucos da demografia Shoujo – voltados para o público feminino jovem – e também fizeram grande sucesso. As protagonistas femininas traziam histórias diferentes, com muita ação mas sem orelhas decepadas ou torneios sanguinolentos.

A história cativante de Sakura Kinomoto

Imagem de Cardcaptor Sakura
Além de toda a parte mágica, Sakura também mostrava bastante da vida comum da protagonista (Reprodução)

Foi nesse contexto que o anime de Cardcaptor Sakura foi lançado, e chamou ainda mais a atenção. “Me identifiquei muito com ela, [com o fato de] ter medo de espírito, essas coisas bestas mesmo. E acho que por ser protagonista menina”, diz Carol Macedo, ou caroleaks, sobre sua paixão pelo anime, que conheceu aos 13 anos de idade.

A trama principal acompanha as aventuras de Sakura em busca das cartas Clow, mas se equilibra bastante com a história pessoal: a relação próxima com seu irmão e pai, as atividades escolares, as amizades com Tomoyo e Kero, sua paixão platônica por Yukito (“Ai, ai, ai, Yukito”), seus medos e preocupações. Era quase o diário de uma estudante de 10 anos como qualquer outra.

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“A gente se coloca no lugar da personagem e meio que quer viver aquilo também, porque a vida dela parecia muito legal. O irmão é muito massa, o pai também, a melhor amiga é incrível. A casa é confortável, um ambiente seguro. É um anime leve. Você se sente bem e feliz”, explica caroleaks.

E tal sentimento segue firme 25 anos depois. Guilherme Oliveira, de 18 anos, assistiu ao anime pela primeira vez em 2020, na falecida emissora Loading. E se surpreendeu justamente por o anime ser diferente do que esperava:

“Remete à sensação de ser um anime tranquilo, sem muita ação, e aquela sensação de ter muita alegria nele”, diz, ao lembrar que uma de suas referências de anime era My Hero Academia – um Shonen. “Sakura foi a obra que me atraiu ao mundo dos animes!”, conta Oliveira.

Sakura e a estética CLAMP

Enquanto Sailor Moon tinha suas famosas transformações, Sakura tinha belas roupas criadas pela amiga Tomoyo. A cada nova carta que precisava ser capturada, a jovem pensava em uma estratégia e ganhava um novo visual – e já naquela época, durante os eventos otakus, era incrível ver a variedade de cosplayers de Sakura com poucas repetições.

O mundo da caçadora de cartas tem cores vivas e o próprio design das cartas são lindos de apreciar – tudo isso remete à estética do CLAMP, grupo exclusivo de artistas mulheres, que criou outros sucessos como X, Tokyo Babylon e Guerreiras Mágicas de Rayearth. Elas também acompanharam de perto a adaptação em anime feita pelo estúdio Madhouse, o que garantiu que toda a parte visual fosse mantida.

Mangás do grupo CLAMP
Outros lançamentos famosos da CLAMP incluem X, Tokyo Babylon e Guerreiras Mágicas de Rayearth (Reprodução0

Para Giselle, a estética foi muito importante para a animação ser marcante em sua vida. “Eu achava muito bonito, muito diferente dos outros desenhos que eu via. Porque eu era criança, as coisas bonitas me vislumbravam”, lembra. Hoje, ela é cosplayer e tem o Mahou Shoujo – segmento da demografia shoujo com garotas com poderes mágicos como protagonistas – como seu gênero preferido de anime. “Sakura me apresentou ao gênero e, anos mais tarde, eu descobri Sailor Moon.”

O anime, lançado originalmente entre 1998 e 2000, também envelheceu bem. Em tempos de Demon Slayer, Jujutsu Kaisen e Chainsaw Man, cujas técnicas de animação estão no topo, Sakura continua sendo encantador. “As animações são muito caprichadas”, comenta a designer caroleaks. Já para Guilherme, o visual tem ares mais antigos, mas ele não encara isso de maneira negativa, e ainda lembra que viu “uma remasterização esses dias, e parece que o anime foi feito ontem, de tanto que trabalharam no episódio.”

Em julho, no painel do Papo Nerd com Elas sobre os 25 anos da obra no Anime Friends, a Artworks exibiu o primeiro episódio com tratamento de restauração e anunciou que, em breve, a série estará disponível completa no Brasil. Se o seu problema para assistir ao anime for a animação envelhecida, bem, isso não será mais desculpa.

Amizades no anime e na vida real

Imagem de Cardcaptor Sakura
Anime de Sakura criou várias amizes, afinal, quem não quer uma Tomoyo na vida? (Reprodução)

Nos anos 2000, a cultura otaku crescia, mas ainda era pequena e nichada. Não era fácil encontrar amigos com quem conversar sobre as animações, mas, quando isso acontecia, era um grande encontro.

“O anime me ajudou a me conectar com outras crianças. Eu tinha dificuldade de fazer amizade. Eu gostava, as pessoas que estavam dispostas a fazer amizade comigo também gostavam, então criou-se um elo legal. Era uma coisa legal assistir, depois eu ia para a escola e comentava com as meninas, a gente brincava”, relembra Giselle, que também fala com carinho do que o anime lhe proporcionou anos depois. “Mahou Shoujo é um lugar em que eu me encontrei, é um gênero que eu amo de paixão, que sempre me conforta, que sempre está ali por mim, me gerou amizades fantásticas.”

Para caroleaks, Sakura foi acolhedor, pois exatamente na época de lançamento, ela estudava em uma escola onde não tinha amigos. “Gravava em fitas VHS para reassistir. Assisti aos filmes, comprei os mangás – tenho todos que saíram pela primeira vez aqui.” Quando foi pela primeira vez a um evento otaku, descobriu que não estava sozinha. “Comprei camiseta, CD, chaveiro, que tenho até hoje. Foi legal encontrar gente que gostava da mesma coisa que eu, foi muito mágico”. Uma sensação que nem as cartas Clow são capazes de desvendar.

No Brasil, Cardcaptor Sakura: Clear Card, que continua a história da protagonista, está disponível na Crunchyroll.

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