As Tartarugas Ninja fazem parte de um específico nicho de personagens que ganharam o mundo graças a um desenho animado criado para vender brinquedos, na década de 1980. Porém, o DNA do quarteto ninja é uma mistura de tantos ingredientes carismáticos, que eles sempre encontram uma forma de cair novamente no gosto do público. Seguindo esse conceito, As Tartarugas Ninja: Caos Mutante triunfa ao atualizar os heróis para uma nova geração, sem abandonar o que os torna especiais.
A animação é um reinício completo e conta uma nova origem para Leonardo, Raphael, Donatello e Michelangelo, as quatro tartarugas que sofrem mutação após entrar em contato com uma gosma radioativa. Sob o comando do pai, o rato Mestre Splinter, eles se tornam ninjas habilidosos. Uma história que, a essa altura, já foi contada em HQs, séries animadas e até outros filmes, mas que aqui ganha um componente especial: a perspectiva adolescente.
Ao contrário da maioria das versões anteriores das Tartarugas Ninja, Caos Mutante enquadra a jornada desses personagens não apenas como origem de super-heróis, mas também como o amadurecimento de quatro jovens. Uma abordagem que soa até óbvia, considerando que o título original da franquia leva a palavra “adolescente” e que ela faz sucesso justamente ao apelar ao “fator descolado” de heróis que andam de skate e comem pizza nas horas vagas.
O roteiro, escrito a dez mãos por um time capitaneado por Seth Rogen e Evan Goldberg (The Boys), é sagaz ao usar elementos consagrados da mitologia desse universo como metáforas para conflitos e sentimentos comuns a essa fase da vida. Dificuldade para encontrar seu lugar no mundo, problemas para se encaixar, conflitos com os pais. Tudo isso não só está presente, como é incorporado de forma esperta na caracterização dos personagens e em suas jornadas.
Essa atualização chega também aos gostos do quarteto. Como adolescentes em 2023, faz todo o sentido que eles se interessem por animes e k-pop, mas sem abandonar a bagagem cultural que os influenciou dentro e fora das telas. Um bem-vindo choque entre o novo e o antigo, que entra em erupção no humor verborrágico que metralha referências que vão de clássicos da década de 1980 e filmes da Marvel a memes atuais, sem que nada soe deslocado ou até forçado.
Algo que chama a atenção não apenas na dinâmica interna do quarteto, mas também na relação dele com outros personagens. Isso vai desde os conflitos geracionais com o Mestre Splinter, a amizade com April O’Neil e até o contato com o grande vilão da vez, o Super Mosca. Personagens que não só adicionam à jornada de Leo, Rapha, Donnie e Mickey, como também têm seu momento de brilhar em arcos próprios que não são deixados de lado pela narrativa.
O sabor adolescente salta do roteiro e chega também à animação, um dos pontos altos de Caos Mutante. Seguindo a deixa de Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) e outras animações de grandes estúdios, o novo filme das Tartarugas Ninja investe em uma estética estilizada que cai como uma luva para essa nova interpretação dos personagens.
O filme honra as raízes de personagens saídos de HQs independentes – antes de ganharem desenho na TV –, com um visual estilizado, resultado da mistura de formas abstratas, texturas baseadas em hachuras e uma taxa de quadros que dá um sabor de stop-motion à animação. Um listão de expressões técnicas que ajuda a traduzir em palavras o espetáculo visual colocado em tela.
Uma aparência que, de certa forma, também ecoa a energia adolescente de Caos Mutante. Em nível mais literal, é quase como a representação da puberdade, aquele momento em que o corpo começa a se desenvolver de formas estranhas ao ponto de, por vezes, parecer repugnante.
Porém, a parte visual também carrega esse espírito de forma mais figurada, usando esquisitice, e até nojeira, como forma de se firmar como a resposta radical a animações que buscam um tipo de virtuosidade limpinha de uma estética mais voltada ao realismo . Eles são mutantes, eles são caóticos e eles não têm vergonha disso.
Uma escolha estética que casa com a proposta e faz muito bem à ação e ao humor, as duas bases do projeto. Nesse ponto, faz todo o sentido que a direção do filme tenha ficado com Jeff Rowe, que já havia feito tudo isso no excelente A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (2021), e com Kyler Spears (Minions 2: A Origem de Gru). A dupla brilha ao comandar pancadarias empolgantes, piadas hilárias e momentos de ternura, aproveitando ao máximo essa nova roupagem.
As Tartarugas Ninja: Caos Mutante marca um novo ponto alto para o quarteto, sendo capaz de arrebatar novos fãs sem deixar os antigos de fora da festa. Um feito e tanto que prova que o grande poder desse quarteto é evoluir para sempre se manter relevante. Se, no mundo real, as tartarugas ajudaram Charles Darwin a entender que a seleção natural faz com que as formas de vida se adaptem para sobreviver, faz todo sentido que os guerreiros quelônios levem essa lógica para as artes e evoluam e se façam atemporais, eternos adolescentes quase 40 anos após sua criação.