Há diferentes formas de rotular Gran Turismo: De Jogador a Corredor. O filme é, ao mesmo tempo, a adaptação de uma famosa franquia de games de corridas e uma história de superação baseada em fatos. Esses dois lados são importantes para entender uma produção que não renega suas raízes e se justifica quando encontra humanidade em um grande comercial.
Como o subtítulo indica, Gran Turismo chega aos cinemas para contar a história de um jogador do simulador de corridas que se tornou um piloto no mundo real. O protagonista é Jann Mardenborough (Archie Madekwe), cuja história é encenada nas telas seguindo a fórmula consagrada nos filmes de esportes. Unindo competição e superação, a produção herda estruturas e arquétipos de personagens desse gênero tão popular. A novidade fica por conta dos videogames.
Se Gran Turismo recorre à velha jornada do desajustado, o indivíduo que não se encaixa, a roupagem, ao menos, é moderna. O herói desacreditado da vez é um gamer, que precisa provar o valor da paixão por jogos, algo visto com desdém por praticamente todos os que o cercam. Essa é a primeira forma que o longa incorpora o jogo da Sony e, de longe, a menos interessante.
O roteiro de Jason Hall, em parceria com Zach Baylin com base em uma história criada ao lado de Alex Tse, tenta se colocar ao lado dos gamers para retratá-los como os párias dentro dessa situação. Porém, o trio não parece ter feito a lição de casa e esse apoio parece pouco sincero graças a um texto raso, se contenta na crença de que colocar gírias e expressões da comunidade na boca dos personagens os torna, automaticamente, gamers.
Não ajuda que esse retrato surge em uma produção que não tem a menor vergonha em ser um comercial do videogame em que é baseado. Desde a introdução, o longa bate repetidas vezes na tecla das virtudes e possibilidades do game original, com uma identidade visual retirada diretamente de um anúncio. Há cenas inteiras que, isoladamente, poderão ser usadas pela Sony nos trailers dos próximos lançamentos.
Essa abordagem não é exatamente uma surpresa, especialmente no momento em que filmes baseados em marcas se tornaram tão comuns e rentáveis. Porém, se Barbie (2023) e Air: A História Por Trás do Logo (2023) souberam equilibrar publicidade e narrativa, GT encontra maior dificuldade. Especialmente porque, no fim das contas, o comercial parece mais voltado aos pais do que para os jogadores em si, criando barrigas que não favorecem a história.
Imagine então, qual foi a surpresa, quando esse grande comercial decidiu se tornar um filme no meio da rodagem. Quando a corrida parecia perdida, a produção pisou fundo e mostrou a que veio ao finalmente encontrar emoção nessa história. É quase como se houvesse um ponto de ruptura em que a equipe criativa decidiu dar um show automobilístico digno de Gran Turismo.
Com isso, o ato final da produção é grandioso, emocionante e finalmente coloca o espectador dentro das corridas, que se tornam a coisa mais importante desse mundo. Para isso, o longa une todas as ferramentas que havia espalhado anteriormente em um equilíbrio certeiro. A adrenalina dos percursos, somada ao suspense das adversidades, incorporando visualmente a estética do jogo para amplificar a compreensão – e tensão – do público, são combinadas para dar o que o espectador foi buscar em um filme de Gran Turismo.
Neste ponto entra em ação a assinatura do diretor Neill Blomkamp (Distrito 9). Valendo-se da natureza de um projeto que é muita coisa ao mesmo tempo, o cineasta usa diferentes técnicas para chegar ao público de diferentes formas. Os momentos íntimos ganham uma roupagem documental, enquanto as corridas são espetáculos que retratam o mundo automobilístico com toda a pompa que ele merece.
Alguns dos principais aliados do cineasta são os atores, que conferem veracidade à história mesmo com um roteiro tão raso e genérico. Archie Madekwe se destaca ao, curiosamente, fugir do destaque, interpretando Jann como o garoto sem carisma que a história busca retratar. Ele se sai ainda melhor nas trocas com David Harbour (o Hopper, de Stranger Things), que volta a interpretar um adulto amargurado que precisa cuidar de um jovem promissor. Valem também a menção a Orlando Bloom, como um executivo canastrão, e Djimon Hounsou, que supera um texto que claramente detesta seu personagem e confere emoção ao estereótipo de pai que não compreende o filho.
Esses talentos, unidos a um trabalho técnico invejável da fotografia e do design de som, conferem a Gran Turismo uma conclusão verdadeiramente grandiosa. O triunfo na reta final pode até fazer parecer que o início vagaroso e apático era preciso para que o final funcionasse. Quase como se fosse necessário apresentar cada peça isoladamente antes que o carro pudesse arrancar no final. Mas não é bem assim.
Os pontos baixos do filme, aqueles que se parecem com um comercial, desapontam por trair a própria natureza da franquia. O longa repete várias vezes que Gran Turismo não é um simples jogo, mas um simulador cuja função é levar a experiência automobilística aos jogadores. Era de se esperar que o GT dos cinemas fizesse o mesmo, mas seu início está tão ocupado tentando vender os games, que esquece de deixar o público viver essa experiência.
Não é à toa que o longa encontra seu rumo quando inverte a lógica e foca em colocar o espectador no volante. Dá gosto ver o potencial, anteriormente desperdiçado, finalmente sendo aproveitado ao máximo. E é assim que, após uma corrida inconsistente, cheia de derrapadas, Gran Turismo cruza a linha de chegada. Apesar de não chegar ao pódio dos grandes filmes automobilísticos, consegue uma boa posição – uma vitória e tanto para uma produção que chegou muito perto de queimar a largada.