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Fale Comigo invoca os fantasmas do vício e da persuasão | Crítica

Fale Comigo é uma das histórias que se tornaram comuns no gênero de terror. Com elenco majoritariamente desconhecido e tocado pelos cineastas novatos Danny e Michael Philippou, o longa criou burburinho ao ponto de garantir exibição no Festival de Sundance e distribuição pela A24. Desde antes de chegar ao Brasil pelas mãos da Diamond Films, já carregava um título pesado: o melhor filme de terror de 2023.

Ainda que seja uma definição altamente disputável, é certo que o longa é um esforço bastante robusto, que lança nomes promissores e transparece enorme carinho pelo gênero ao criar uma macabra história de horror jovem.

A trama segue um grupo de adolescentes que se depara com uma forma mórbida de se entreter em festas: uma mão embalsamada, capaz de invocar espíritos. Inicialmente receosa, Mia (Sophia Wilde) se vê cada vez mais fascinada pelo objeto, especialmente quando descobre ser capaz de falar com sua falecida mãe, custe o que custar.

É uma premissa bastante tradicional de conto de espíritos, mas Fale Comigo brilha ao modernizar a espiral decadente da obsessão por meio da pressão social, tanto presencial quanto pelas redes sociais. Isso é visível logo na excelente cena de abertura, quando algo motiva um jovem a assassinar o próprio irmão em uma festa, cometendo suicídio logo depois. Ao presenciar o surto e ver o rapaz transtornado, o primeiro instinto de todos ao redor é sacar os celulares para filmar, claro.

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A ideia, inclusive, surgiu de uma história real que o codiretor Danny Philippou viveu ao presenciar a overdose de um vizinho ser recebida não com ajuda, mas com risadas e gravações dos próprios amigos do rapaz que convulsionava.

Pressão social é um dos catalisadores para um novo vício em Fale Comigo [Créditos: Divulgação]

O longa abraça isso ao equiparar a possessão espiritual ao uso de drogas, em toda a complexidade do tema: a adrenalina de se envolver com algo proibido, a persuasão social para passar dos próprios limites, a brisa única da alteração de realidade, e a enorme dificuldade de puxar o freio de mão quando as coisas ficam tensas.

Não é uma metáfora exatamente profunda, mas isso não é um problema visto que o filme a conduz sem um pingo de pretensão. O foco é apenas criar uma trama sombria sobre perigos da juventude, sejam eles externos, internos ou sobrenaturais. É uma abordagem que poderia facilmente soar piegas ou careta, mas que aqui é tocada de forma genuína e bem balanceada entre o drama, a descontração e a tensão. O grande triunfo de Fale Comigo é transitar com maestria entre os tantos tons e camadas da premissa.

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Em uma cena, Mia, sua melhor amiga Jade (Alexandra Jensen) e seus colegas se divertem com a mão embalsamada, sendo possuídos por espíritos e rindo das assombrações que tomam seus corpos, em uma montagem ao som de música animada. Momentos depois, o longa puxa o espectador de volta para a realidade quando o irmão de Jade, Riley (Joe Bird), é sujeito a uma entidade extremamente violenta. A cena, de nível de desgraçamento digno da mente de Ari Aster (Hereditário, Midsommar), é um bom lembrete de que o grupo está brincando com algo sério, muito além de seu conhecimento.

Fale Comigo é especialmente marcante como primeiro esforço de uma equipe de novatos. Os Irmãos Philippou, que assinam também o roteiro, exercem ótimo domínio de câmera e controle de tensão, eficientes tanto nos momentos mais sutis com vultos em segundo plano e nas cenas mais gráficas. A excelente maquiagem dos fantasmas e o trabalho de som de alto nível ajudam a compor a atmosfera pesada e opressiva da obra.

Fale Comigo vai da descontração à desgraça no espaço de poucas cenas [Créditos: Divulgação]

É ainda mais admirável ver um nível de autocontrole que não é comum em cineastas iniciantes. A dupla não quer apelar para sustos constantes e nem se iludir com o silêncio constante de um terror mais artístico. Eles gostam da aura de mistério de um bom horror convencional, que sabe quando te fazer pular e quando assustar pela inquietude.

Até a forma que os diretores lidam a mão embalsamada reflete isso. As regras do objeto, o mundo dos espíritos ou mesmo a natureza das entidades que invoca são altamente elusivos, contribuindo para uma sensação de incerteza que facilmente poderia ser quebrada por um roteiro verborrágico ou uma direção menos confiante.

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Amantes do gênero, que citam influências como Sam Raimi e O Babadook (2014), os Irmãos Philippou têm muito potencial para crescer no terror, especialmente após um primeiro trabalho tão robusto assim. O mesmo vale para o elenco formado por diversos nomes australianos desconhecidos. Como Mia, Sophie Wilde rouba a cena com carisma e intensidade, dependendo do que pede a cena. Alexandra Jensen faz um par a altura como Jade, a âncora moral do longa.

O nome mais prestigiado do elenco é Miranda Otto (O Senhor dos Anéis, O Mundo Sombrio de Sabrina), que faz um excelente trabalho, como de costume, ao viver uma mãe solteira firme, inteligente e preocupada. O fato de que as jovens não são ofuscados pela atriz mais velha é um bom demonstrativo do quão promissores são.

Fale Comigo talvez não seja “O Melhor Filme de Terror de 2023”, mas figura entre os melhores com facilidade. É um conto de precaução que consegue tocar em vício, más influências e outros perigos de forma elegante, sem deixar a tensão de lado e ainda entregando um final de tirar o fôlego. É uma promissora incubadora de talentos que podem dominar o gênero nos próximos anos, e um lembrete de que o horror sobrevive da renovação — de público, cineastas, atores e abordagens.

Fale Comigo chega aos cinemas brasileiros em 17 de agosto. A convite da Diamond Films, o NerdBunker assistiu à pré-estreia nacional do filme no Imagineland, evento de cultura pop que rolou em João Pessoa, na Paraíba – veja aqui como foi nossa experiência por lá.

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