Uma das franquias mais duradouras do cinema, Missão: Impossível está chegando ao fim. A saga de Tom Cruise, que surgiu lá em 1996, dá início à sua jornada final com Acerto de Contas – Parte Um. Para garantir uma despedida digna, o longa engrandece tudo que já era bom nos antecessores, ao mesmo tempo que se enrola para tentar estabelecer o que pode vir após Ethan Hunt.

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O filme abre com um submarino russo de tecnologia de ponta, capaz de transitar indetectável pelas geleiras da Antártica. O cotidiano tranquilo dos tripulantes é interrompido quando o impensável acontece e a embarcação é detectada por outro submarino, que tem os russos na mira.

Os nervos afloram e o combate começa… exceto pelo fato de que nunca existiu outro submarino. Antes de entenderem que se tratava de uma pane no sistema, causada por uma inteligência artificial enlouquecida, os russos são explodidos pelo próprio torpedo que atiraram, redirecionado pelo computador.

A abertura dá o tom de Acerto de Contas ao brincar simultaneamente com a paranoia de espionagem da Guerra Fria e com o pânico pelo avanço das inteligências artificiais: um encontro entre o passado e o presente como forma de olhar para o futuro.

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Missões impossíveis

Para o início da despedida de Missão: Impossível, Tom Cruise abraça ação ainda mais insana em Acerto de Contas [Créditos: Divulgação]

Desde o início, Acerto de Contas tem a árdua tarefa de dar continuidade a Efeito Fallout (2018). O antecessor já parecia o ápice que a série poderia chegar em termos de ação bem executada, cenas insanas e um mistério intrigante. O novo longa não fica no mesmo patamar, mas isso não significa que não seja um esforço impressionante.

O novo filme é a culminação de tudo até aqui. A corrida contra o tempo é marca registrada da saga, mas realmente é sufocante ver Ethan Hunt (Cruise) e seus amigos lidando com uma ameaça a nível global, causada por uma poderosa inteligência artificial conhecida como A Entidade, capaz de redesenhar toda a sociedade moderna, mas furtiva ao ponto de ser invisível para todo tipo de tecnologia eletrônica. Pior ainda, pelas várias crises e intrigas políticas que causaram nos antecessores, os membros do grupo não têm o amparo de nenhuma agência ou governo — principalmente porque esses também querem pôr suas mãos na Entidade.

Paranoia é o sentimento que domina Acerto de Contas, e é a força-motriz que garante que o longa esteja sempre em constante movimento. A ação não surge apenas da necessidade de concluir a missão, mas sim de conseguir realizá-la em condições cada vez mais adversas. Com 2h43 de duração, o público até perde o fôlego com o constante surgimento de novos problemas, dores de cabeça e momentos de tensão em rápida sucessão.

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Megalomania de Tom Cruise e Christopher McQuarrie é o que faz Acerto de Contas ser um espetáculo de ação [Créditos: Divulgação]

Em um momento, por exemplo, Hunt e seus aliados precisam interceptar uma venda suspeita em um aeroporto, e a missão é encontrar o alvo, recuperar o item (um pedaço de uma chave, relacionado à Entidade) e fugir sem ser notado. Mas o grupo está sendo caçado pela polícia, o que complica a movimentação pelos terminais. E então surge a ladra Grace (Hayley Atwell), que furta a chave do vendedor, sem saber no que está se metendo. Quando o cerco dos policiais aperta, ela se vê forçada a cooperar com o protagonista, e os dois tentam uma fuga bombástica do local. Ah, no meio disso tudo, Benji (Simon Pegg) precisa desarmar uma bomba nuclear escondida entre as bagagens.

O trecho todo simboliza bem a pegada do filme, sempre em busca criar situações progressivamente mais complexas, intensas e sufocantes, que não parecem ter solução. Por quase três horas, Acerto de Contas oferece tensão constante, e é até preciso tomar um ar ao sair da sala de cinema, especialmente pelo escopo megalomaníaco das sequências.

Desde o terceiro capítulo, a franquia Missão: Impossível passou a ser definida pelas insanidades de Tom Cruise. Isso fica bem evidente aqui, em uma obra comprometida em criar espetáculos de ação com o mínimo de computação gráfica possível. Nos últimos anos, a figura do ator (e produtor) se tornou alvo de discussões quando comprou a briga pela importância da experiência cinematográfica, frente ao crescimento do streaming e sessões caseiras impulsionadas pela pandemia.

Vê-lo correr, saltar de moto do pico de uma montanha, dar fuga em um compacto Cinquecento por ruas italianas, ou então sair na mão no topo de um trem em movimento, são ótimos lembretes de que Cruise está disposto a fazer tudo em nome da grandiosidade maluca que só o cinema pode entregar. A parceria com o diretor Christopher McQuarrie, que apoia e realiza muitas de suas loucuras, é um dos motivos pelo qual essa franquia se mantém relevante e cheia de vida mesmo após 25 anos nas telonas.

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Caso você escolha aceitar

Grace (e Hayley Atwell) é ótima, mas a importância que a trama dá à novata é cansativa [Créditos: Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um/Divulgação]

Se a ambição é a maior força de Acerto de Contas, a insegurança frente ao fim iminente é sua maior fraqueza. O mesmo impulso que move o filme acaba por criar os momentos mais fracos: a necessidade de dizer aos espectadores que estão presenciando os momentos finais do espetáculo.

Ainda que seja uma boa adição à franquia, o filme não se sente confiante no próprio legado que deixará para trás, e se vê na obrigação de reforçar isso de forma cansativa. Há um enorme esforço em pegar vários elementos recorrentes da saga e transformá-los em peças fundamentais de uma mitologia, que de repente se tornou algo importante, aparentemente.

Um grupo de executivos da CIA discute os feitos impressionantes de Ethan Hunt em uma sala, ou então os próprios protagonistas falam sobre o peso de fazer A Escolha, vulgo renegar a vida de civil e aceitar se juntar à FMI (Força Missão-Impossível). Até aqui, tanto a lenda de Hunt quanto a forma que os agentes operam, foram apresentados de forma orgânica, como parte de uma inusitada, perigosa e sedutora realidade. Acerto de Contas sente que precisa explicar a essência da saga ao espectador em diálogos expositivos e condescendentes.

Talvez haja motivo para isso. É possível especular que o filme que chegou aos cinemas hoje em dia não é o mesmo que teria chegado originalmente em 2021. O peso de “salvar a bunda de Hollywood”, como dito por Steven Spielberg, pode ter motivado uma reescrita mais orientada a novos públicos, que encontrariam a franquia pela primeira vez nesta fase de retomada aos cinemas pós-pandemia.

É difícil dizer se a abordagem funciona, já que parece presa entre explicar demais ao fã de longa data e desconfiar da capacidade de rápido entendimento do espectador novato. Além disso, há uma estranha movimentação na trama em tentar olhar adiante. Se tratando de uma Parte Um, faz sentido uma pegada de preparação para algo maior, mas o filme frequentemente implica estar normalizando a ideia de que tudo pode continuar mesmo depois do inevitável desfecho de Ethan Hunt.

Isso fica especialmente visível em Grace, a personagem de Hayley Atwell. A ladra é carismática e talentosa, trazendo lábia e gosto por caos combinados com o bom humor da atriz. Mesmo sendo uma adição recente, a trama coloca a personagem no centro, como se fosse a história de origem de uma nova agente da FMI, quase como Star Wars fez com Rey em O Despertar da Força.

É difícil não sentir que o excelente elenco de Missão: Impossível é subutilizado na Parte Um de Acerto de Contas [Créditos: Divulgação]

Pensar em um futuro sem Ethan Hunt não é um problema, mas a tentativa de emplacar um sucessor espiritual logo na Parte Um da conclusão da franquia não desce bem, ainda mais quando isso rouba o espaço de rostos conhecidos, como Benji, Luther (Ving Rhames) e Isla (Rebecca Ferguson). A trama cede ao peso das novas chegadas — de Grace e dos espectadores de primeira viagem —, dando holofotes que soam descabidos para a jornada final desse grupo de personagens já conhecidos.

Missão: Impossível sempre focou no presente. Por mais que existisse continuidade, cada filme trazia seu próprio conjunto de dilemas para serem explorados e resolvidos dentro da obra. Acerto de Contas soa como uma virada meio brusca ao enfatizar o passado, com trama repleta de saudosismo e tecnologia analógica, e preparar um futuro além de sua segunda metade, mas com pouco apego pelo agora.

Curiosamente, mesmo com todos esses problemas,  o filme prova a qualidade da saga e figura entre os melhores lançamentos até aqui, dado seu excelente elenco e o comprometimento com ação de alto nível. São quase três horas de intensidade pura, que deixam ansioso pela Parte Dois e lamentando o fim de uma das melhores sagas do cinema.

Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um poderia apenas ter sido menos autocongratulatório e expositivo. Há muito o que pode melhorar na próxima metade mas, para a despedida ser realmente impactante, é preciso honrar a trajetória dos personagens originais, e confiar que o público novato não precisa ser ensinado a gostar da saga, mas sim que entenderá o apelo ao vê-la em toda a sua glória.

Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um chega aos cinemas em 13 de julho. A Parte Dois está prevista para ser lançada em 28 de junho de 2024.