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Skull and Bones é fantasia pirata com medo de sair do raso | Review

Jogos que nem Skull and Bones não chegam na linha de chegada. Não são muitos os casos de títulos que enfrentam o infame “limbo de desenvolvimento” e sobrevivem para contar a história. No caso, a Ubisoft insistiu bastante para que o game de piratas fosse lançado, levando-o por meio de mudanças de conceito, reboots no desenvolvimento, escândalos de abuso e seis adiamentos públicos.

O jogo enfim se tornou realidade e já está disponível. Ao iniciar, a abertura revela que, apesar da Ubisoft Singapore liderar o esforço, dezenas de outros estúdios da empresa colaboraram, em um esforço a nível global. Depois de tantos anos, dificuldades e investimento de milhões, o resultado é… bastante mediano.

Nadando no raso

Um dia tranquilo no mar vazio define bem a experiência do game [Créditos: Skull and Bones/Captura de tela]

Skull and Bones é um jogo marcado pelo vai-e-vem dos bastidores. Até dá para tentar separar, mas a inconsistência de uma visão clara se manifesta em todos os aspectos da obra. Ambientado na era de ouro da pirataria, o jogador assume o papel de um capitão que sonha em se tornar um pirata lendário, e tem a chance de construir essa reputação a partir do zero.

O caminho até lá, porém, é inconsistente e, em grande parte, tedioso. De início, é legal navegar com uma jangada, caçar animais com lanças e vender carnes e peles para tentar juntar moedas para construir um navio mais digno. Mas a história de ascensão logo se mostra mais como mordaça do que fantasia, relegando o jogador a desempenhar uma infinidade de ‘trabalhinhos’ repetitivos para piratas de verdade.

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Um capitão te manda atravessar os mares e coletar Mercadoria X, enquanto uma contrabandista te manda para outro lado para coletar Mercadoria Y. Entre as missões principais, há ainda uma infinidade (mesmo) de contratos igualmente simplórios e cansativos. Você sempre está fazendo algo para alguém, independente da sua importância no mundo, e as recompensas nunca são significativas. É como um grande simulador de office boy, em que você é uma nota de rodapé na história de piratas importantes.

Pode clicar em qualquer um, os diálogos não importam nada mesmo [Créditos: Skull and Bones/Captura de tela]

A premissa é interessante, mas a Ubisoft peca no planejamento e execução dessa jornada. Assim como os contratos simplórios e repetitivos, a aura de “encheção de linguiça” paira em boa parte dos aspectos do jogo. Frequentemente, é possível imaginar que o estúdio tomou decisões de design com o único objetivo de fazer Skull and Bones parecer mais denso do que é. Basta olhar por alguns segundos que a superficialidade de vários dos sistemas se revela.

Nas missões principais, há um sistema de diálogos que é inteiramente estético. As respostas não importam em nada e não trazem nenhuma consequência. Em várias ocasiões, senti que os NPCs respondem a mesma coisa, independente do que eu falei.

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A falta de consequência se estende aos mares, também. Há diversas facções espalhadas pelo mundo, do Povo do Mar às grandes embarcações francesas da Compagnie. Mesmo que você destrua seus navios e cidades, tudo é perdoado rapidamente, em um sistema de curta duração que remete às estrelas de um GTA. Em momentos muito irônicos, cheguei até a negociar mercadorias com cidades que acabei de destruir. Nada do que o jogador faz tem qualquer impacto ou consequência no mundo. A “Infâmia”, que o jogo te coloca para correr atrás, é meramente sugestiva.

Pirata de Mentirinha

Skull and Bones faz de tudo para que você não tenha nenhuma dificuldade [Créditos: Divulgação]

Os problemas de design de Skull and Bones não param por aí. Mais irritante do que a repetição e a falta de consequências é a abordagem à dificuldade. O jogo não quer que ninguém passe o mínimo de perrengue, e faz de tudo para nunca ser frustrante, mesmo que isso acabe por limitar o próprio potencial.

Toda boa ideia vem com algum tipo de suavização. Em dado momento, ao nadar em mares agitados, meu barco passou a sofrer dano ao levar tombos de grandes ondas. Ter o mar como um perigo em potencial não só é ótimo para a imersão, como também é fiel aos relatos da época. Na realidade, foi leve, passageiro e raro. No geral, o mar não oferece perigo algum e nem muita resistência para ser desbravado. Você sequer é impedido de navegar contra o vento forte ou de atravessar grandes tempestades.

O ponto mais irritante desse medo de frustração acontece na exploração. Digamos que você precisa de um diagrama para construir um novo navio. Partir em busca do documento perdido e dos itens necessários para construí-lo parece uma aventura, não? Bom, o jogo aponta logo no menu onde é preciso ir e com quem falar para obter o tal diagrama. As caçadas ao tesouro chegam até a ser desanimadoras: as pistas nada enigmáticas apontam locações e, ao chegar, o game coloca na tela “O TESOURO ESTÁ NESSA ILHA”, em letras grandes. Cavar o baú acontece em uma única ação de “Aperte o botão para cavar o tesouro”.

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No mesmo espírito, toda a economia do game é mais simples e redundante do que parece. Pelo período, claro, é implicado que há grande importância em adquirir e vender mercadorias, seja de formas legais ou contrabando. Na prática, é algo pouco explorado, que consiste em acumular o máximo de tralha para vender ou usar os componentes na construção de determinados itens.

Tudo no processo é cansativo: administrar o inventário e vender é um saco pela interface que não foi pensada para agilizar nada disso, e não há muito no game que justifique acumular grandes riquezas. Fazer reparos no navio, comprar itens, usar a Viagem Rápida (que é paga) ou até mesmo construir novas embarcações custam pouco. Assim, a sensação de “estabilidade financeira” chega mesmo quando ainda se é um marujo de baixo escalão, o que é contraditório para toda a tal jornada de ascensão.

Às Ordens do Capitão

Ponto alto da experiência, combate de Skull and Bones está enterrado em jogo desinteressante [Créditos: Divulgação]

Depois de tanta porrada, parece que não há nada marcante em Skull and Bones. Vamos esclarecer de que não é o caso: é só que as partes boas estão enterradas debaixo de camadas de exigências corporativas, que os executivos da Ubisoft acreditam que são necessárias para criar um jogo que possa custar US$70. Quando foi revelado, lá em 2017, era um jogo de combate naval, um multiplayer de arena na pegada de um Rainbow Six Siege em barcos. Mesmo na versão final, sete anos depois, é no combate que se encontram as melhores partes.

Mecanicamente, é muito satisfatório controlar a embarcação. Os controles são simples, mas transmitem a sensação de peso do navio, o que pede por uma certa noção espacial — especialmente porque bom posicionamento é a chave para vencer as lutas. É preciso estar consciente de qual tipo de canhão está em cada lado do navio, e se movimentar para evitar levar dano e para compensar o tempo de recarga das próprias armas.

Há boas opções de customização, que te permitem escolher entre três tipos de navio — Tanque, Dano Por Segundo e Apoio —, e modificar diversos atributos, como posicionamento e tipo dos canhões, mobílias com bônus próprios e opções estéticas, como cores, bandeiras, enfeites e até pets.

Tudo relacionado ao navio é bom. Customizá-lo é divertido, navegá-lo é satisfatório e o combate, empolgante. É uma pena que são raros os momentos que sabem realmente fazer uso dessas forças sem a distração de um objetivo repetitivo.

Em uma missão, por exemplo, era preciso contrabandear itens até o outro lado do mapa. A condição é que, caso naufragasse, a carga seria perdida para sempre. No meio do caminho, foi preciso enfrentar grupos de piratas interessados em interditar o transporte. Nesse momento, a tensão da fuga, da vida única e dos ataques impiedosos de todos os lados mostraram que Skull and Bones tem sim seu valor.

Customizar o navio, seja pela estética ou poder de fogo, é um dos acertos do game [Créditos: Skull and Bones/Divulgação]

Essa sensação veio apenas em lampejos, como ao ouvir a tripulação cantando músicas, ao descobrir que há um navio pirata vagando pelo mar aberto à noite, ou ao colocar o jogo em primeira pessoa e notar que um pássaro casualmente pousou no leme. Infelizmente, momentos assim estão enterrados em um jogo de aventura raso e genérico.

Skull and Bones carrega todas as marcas de um projeto que mudou de rumo incontáveis vezes. É uma experiência inconsistente e pouco recompensadora, que ativamente parece guiar o jogador para longe da diversão. Não há muito que justifique uma campanha de 30 horas, e nem mesmo a estrutura de “jogo como serviço”.

Mesmo com incontáveis problemas, a Ubisoft firmou o compromisso de lançar o game, e passou a exaltá-lo como “o primeiro jogo Quad-A”, ou seja, um outro nível para um blockbuster. Os problemas aqui evidenciam bem a crise na indústria: quando um projeto demora tanto e custa tantos milhões para ser desenvolvido, o risco se torna paralisante ao ponto de tirar a capacidade da obra de ousar, de desafiar o jogador, de tentar algo focado e intrigante.

Tudo tem que ser maior, mais longo, tem que atrair a maior quantidade de jogadores o possível, e prendê-los em frente à tela por mais tempo. Na era da obsessão por ‘Conteúdo’, pouco importa a qualidade e originalidade da obra. Isso é uma armadilha para Skull and Bones, que se vende como mar, mas é piscina de condomínio: de águas cristalinas, paradas e sem muita profundidade.

Skull and Bones está disponível para PlayStation 5, Xbox Series X | S e PC. A review foi feita com base na versão de Xbox Series X, cedida pela Ubisoft.

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