O lançamento de Persona 3 (P3) para PlayStation 2 em 2006 foi um verdadeiro acontecimento em minha vida. Mesmo já tendo ouvido falar bastante sobre a franquia na época, foi a partir do terceiro game numerado que tive meu primeiro contato com a saga derivada de Shin Megami Tensei. E, dezoito anos depois, eis que Atlus decide lançar um remake, apropriadamente intitulado de Persona 3 Reload.
O jogo aborda temáticas pesadas e traz uma atmosfera sombria, repleta de gatilhos para pessoas sensíveis. Na época do título original, sendo uma mera adolescente com muitos problemas pessoais, posso afirmar que fui bastante impactada (positivamente) pela narrativa, personagens e desfecho de P3, além de ter ficado intrigada com o mundo e a mitologia da franquia.
Mal sabia eu que P3 havia sido apenas a minha porta de entrada para um mundo fantástico repleto de filosofias sobre a vida e a morte, o sonho e a realidade, a mente e a matéria; onde a psique é transformada em uma arma poderosa (as criaturas chamadas de “Personas”) para combater os desejos distorcidos, tanto da humanidade quanto das divindades.
Repleto de inspirações folclóricas e mitológicas, a saga Persona é especial a seu próprio modo. E, honestamente, eu não poderia estar mais feliz com a chegada de Persona 3 Reload, que vai servir como porta de entrada da série para toda uma nova geração e também agradar aos fãs veteranos que buscavam uma experiência definitiva do terceiro título numerado.
À meia-noite levarei sua alma…
A história de Persona 3 Reload é a mesma do jogo original de 2006 e, por tabela, a mesma de “The Journey” (remake da campanha principal em Persona 3: FES, uma versão aprimorada do game que foi lançada em 2007).
Tudo começa quando o protagonista retorna à cidade de Tatsumi Port Island em 2009, logo depois de seus pais morrerem em um acidente. Ele é transferido para o Colégio Gekkoukan e inicia uma nova vida no Dormitório Iwatodai juntamente com outros estudantes do ensino médio.
Após um estranho evento, o protagonista desperta seu verdadeiro poder como um usuário de Persona e se junta ao clube S.E.E.S. (sigla para Setor Especializado em Execução Supracurricular), um grupo focado em combater Sombras que está investigando um fenômeno conhecido como “Hora Sombria”.
A Hora Sombria ocorre todas as noites às 00:00 AM. Nesse momento, pessoas comuns sofrem uma “transmogrificação” e são vistas como caixões, permanecendo alheias às mudanças no espaço e tempo; enquanto as Sombras, criaturas que conseguem assumir inúmeras formas, atacam as presas fáceis.
São também as Sombras as causadoras da “Síndrome da Apatia”, uma condição misteriosa que faz as pessoas entrarem em um estado vegetativo, perdendo a vontade de viver — as vítimas são chamadas de “Perdidos”.
Usuários de Persona são raros neste mundo, além de serem os únicos capazes de derrotar as Sombras. Devido a isso, o protagonista e os demais membros do S.E.E.S. vasculham uma misteriosa torre chamada de Tártaro que aparece durante a Hora Sombria, para tentar encontrar uma forma de acabar com esse pesadelo.
Curiosamente, todos os membros do S.E.E.S. conseguem invocar uma única Persona durante as batalhas contras as Sombras, enquanto o protagonista tem uma habilidade que o torna especial: ele é o único capaz de coletar e usar diversas Personas diferentes.
Muitas cartas na manga
A habilidade do protagonista, de invocar diferentes Personas durante os encontros com inimigos, é essencial para vencer os combates de P3R — mas não é o único recurso para isso. Os segmentos de batalha foram completamente repaginados no remake, ganhando mais ritmo e ação. Em outras palavras, as lutas são prazerosas e visualmente impressionantes, com diferentes transições animadas, novas poses de vitória para cada membro do S.E.E.S. e até mesmo uma música inédita de batalha que toca exclusivamente quando os inimigos são emboscados.
Isso porque a Atlus basicamente transportou tudo o que deu certo em todas as versões do P3 original, além de implementar recursos de Persona 4 / Persona 4 Golden e de Persona 5 / Persona 5 Royal que tornam os combates muito mais dinâmicos e divertidos.
A principal mudança nas mecânicas de combate em relação ao P3 original é a possibilidade de controlar todos os personagens do grupo de forma direta, assim como na versão Persona 3 Portable (lançado em 2009). Para efeitos de comparação, em P3/P3 FES, eles agiam por conta própria, ou no máximo seguiam padrões de comportamento pré-estabelecidos — como focar em cura, por exemplo.
Outra novidade é a Troca, uma mecânica similar ao Baton Pass de P5/P5R. Aqui, esse sistema também é ativado quando um dos personagens atinge uma fraqueza do inimigo e ganha “Mais 1” turno enquanto o oponente está atordoado.
Ainda falando em combate, todo o grupo principal conta com uma habilidade especial inédita chamada Teurgia. Para quem jogou P5/P5R, é quase como se fosse o Showtime dos Phantom Thieves. As técnicas de Teurgia podem ser ativadas quando sua respectiva barra chega ao máximo.
Mas, para atingir esse nível, é preciso se atentar a alguns detalhes, pois cada personagem precisa fazer ações específicas para aumentar o medidor. A Teurgia de Yukari está diretamente conectada às suas habilidades curativas, por exemplo.
Por último, mas não menos importante, vale ainda citar a “Hora das Cartas”: ao final de cada embate finalizado de maneira especial, o jogador recebe cartas com diferentes recompensas. E seguindo o exemplo de P4G, agora é o jogador quem escolhe o que quer ganhar: mais experiência, dinheiro, um novo Persona ou uma carta de habilidade.
A quantidade de recompensas da Hora das Cartas também pode aumentar conforme o jogador coleta cartas de Arcanos Maiores. Esses recursos concedem melhorias temporárias enquanto se está explorando o Tártaro, então é altamente recomendado pegar todas que aparecerem.
A vida é muito curta para…
Ainda falando sobre o Tártaro, a Atlus conseguiu melhorar em 100% a experiência de explorar o lugar. Isso porque a torre possui centenas de andares e o mapa dos andares é alterado toda vez que você retoma a expedição — com exceção das passagens de descanso e das arenas de combate contra chefes.
Resumidamente, em P3/P3 FES, vasculhar o Tártaro era tedioso. Mas isso não se aplica a P3R. O melhor exemplo, pessoalmente falando, é a ausência do sistema de fadiga dos personagens, uma condição que antes impedia o jogador de permanecer tempo demais explorando a torre.
O Tártaro também possui mais layouts, mais eventos e diálogos com os personagens do grupo, novas missões de resgate, objetos quebráveis com itens e baús trancados que abrem com itens chamados Lascas de Crepúsculo. Além disso, o relógio na entrada pode recuperar PV (Pontos de Vida) e PE (Pontos Especiais) dos personagens — mas a seu devido preço.
A opção de auto recuperar a energia dos personagens foi adicionada, a navegadora Fuuka ganhou uma barra de PE própria com várias habilidades que ajudam na exploração e nos combates, e você pode enviar um dos membros da equipe para explorar o andar do Tártaro sozinho (o reencontro com o boneco escolhido acontece no início do próximo andar, e ele vai entregar todos os itens que coletou pelo caminho).
Outra novidade na exploração do Tártaro são as Passagens da Mônada e Portas da Mônada. Esses recursos são opcionais e oferecem batalhas contra inimigos poderosos e recompensas valiosas. Entretanto, vale conferir, pois esses recursos se tornam ótimas oportunidades para ganhar mais experiência também.
Ainda falando em opções de qualidade de vida, as visitas à “Sala de Veludo” foram totalmente repaginadas. O local possui uma nova interface dinâmica e, durante as fusões entre Personas, você pode escolher quais habilidades a nova criatura vai herdar das outras.
Em geral, a interface de usuário foi absurdamente melhorada. O mapa, por exemplo, aparece 100% do tempo e não apenas no Tártaro como antigamente, e uma barra de objetivos foi adicionada ao canto superior direito da tela. Os personagens com quem o protagonista possui Vínculo Social agora mandam email quando querem se encontrar e, para mim, uma das melhores novidades é a opção de “retroceder a um ponto anterior”.
Essa opção salva vidas, caso você seja um jogador que eventualmente esquece de salvar seu progresso. O recurso é basicamente um arquivo de backup e o jogador pode escolher voltar para um dia ou noite anterior, seja para refazer ou para experimentar alguma atividade em sua rotina diária.
“O arcano é o meio pelo qual tudo é revelado”
Os jogos mais recentes de Persona não se resumem apenas a explorar lugares imensos e misteriosos. Você também precisa gerenciar a vida social do protagonista, lidando com um sistema de calendário repleto de obrigações e atividades.
Durante o período da manhã o protagonista vai à escola e, após esse período, você pode escolher se quer sair com alguém e estreitar as relações por meio do sistema de Vínculos Sociais. Se preferir, também é possível passar tempo em alguma atividade: beber café, comer lamen, cantar no karaokê, ir ao cinema, trabalhar meio período, ler um livro, levar Koromaru para passear, cozinhar, usar o computador compartilhado para aprimorar conhecimentos por meio de softwares, cuidar da horta no terraço do dormitório ou até mesmo estudar no quarto.
Embora haja toda uma programação opcional para desfrutar em P3R, existe ainda uma data muito importante no calendário: a Lua Cheia. Tudo gira em torno desse período, então é bom se preparar e formar estratégias de expedição e resgates no Tártaro previamente. Além disso, alguns eventos específicos acontecem obrigatoriamente e você não tem como escapar deles — como as provas trimestrais, por exemplo.
Falando em provas trimestrais, as perguntas feitas pelos professores durante algumas aulas foram refeitas, mas resistir ao sono ainda concede pontos de atributo intelectual. Além disso, o remake ganhou um recurso online para saber as respostas das questões e ver estatísticas da rotina de outros jogadores (com qual atividade eles passaram o dia, semelhante a P5/P5R).
Existem ainda diversos novos diálogos (quase todos dublados), em especial com os Vínculos Sociais, personagens com quem o protagonista pode criar um relacionamento. Cada um deles está conectado a um arcano do baralho tarô e quanto mais você sai com eles, mais o nível da relação aumenta, podendo chegar ao ranque 10.
Aqui, os níveis de Vínculos Sociais não concedem habilidades em batalha para o protagonista como em P5/P5R, mas afetam diretamente as fusões de Personas se o arcano do personagem corresponder ao da criatura criada.
Ainda falando em Vínculos Sociais, outra novidade é que as relações não podem mais ser quebradas como antigamente — mas isso não significa que o ranque não retrocede caso você não tenha cuidado —, e as personagens femininas que se tornam interesses amorosos podem ser amigas e não apenas namoradas quando você chegar no nível máximo.
Por falar em interesses amorosos, a Atlus novamente perdeu a oportunidade de implementar relacionamentos afetivos com personagens masculinos. Infelizmente, essa possibilidade continua existindo apenas no P3 Portable, edição do game em que é possível jogar com a versão feminina do protagonista.
Nem mesmo Vínculos Sociais com os personagens masculinos do S.E.E.S. foram adicionados no remake. O que a Atlus fez para contornar essa situação foi adicionar episódios pontuais com os integrantes. Entretanto, esses eventos podem ser facilmente perdidos. Então, quando Akihiko ou Junpei chamarem o protagonista para sair, aceite sem hesitar. Esse é o máximo que você vai ter de um relacionamento com eles.
Persona 3 Reload vale a pena?
Mesmo sem relacionamentos afetivos com os personagens masculinos do S.E.E.S, o remake de Persona 3 apresenta uma trama emocionante com um desfecho marcante e uma narrativa repleta de reviravoltas; além de gráficos e visuais impressionantes utilizando o motor gráfico proprietário da Atlus.
São inúmeras novidades em termos de mecânicas e jogabilidade, além de melhorias de qualidade de vida e incorporação de conteúdo do P3 FES e do P3 Portable. A adição de dublagem em praticamente todos os diálogos e todas as mudanças feitas para aprimorar a experiência também aumentam o tempo de jogo. Portanto, espere passar pelo menos 70 horas no remake — tempo que pode aumentar mais dependendo do seu ritmo.
As novas músicas, atividades, diálogos e até mesmo as cutscenes inéditas em estilo anime tornam tudo ainda mais especial. E por último, mas não menos importante, a localização para português brasileiro está perfeita, e se aplica não apenas aos textos, mas também aos menus e efeitos visuais. Até emociona de ver.
Persona 3 Reload é a experiência definitiva do terceiro jogo numerado da franquia — diria até que é obrigatória, seja você um fã ou não da série Persona.
Essa review foi feita com uma cópia cedida pela Atlus.
O jogo chega em 2 de fevereiro de 2024 para PC (via Steam), Xbox One, PlayStation 4, Xbox Series X/S e PlayStation 5. Também será possível jogá-lo no Xbox Game Pass no dia do lançamento.
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