Colocar dois núcleos opostos em uma aventura com um interesse em comum é um clássico das narrativas. Ainda assim, é possível inovar dentro desse formato e essa é a tentativa feita por Undead Unluck, anime inspirado no mangá de Yoshifumi Tozuka. A produção chega ao Brasil este mês no Star+ e, à convite da Disney, tivemos a oportunidade de ler o primeiro volume da publicação durante a CCXP23, assim como ver o primeiro episódio do anime. Mas o resultado é um tanto estranho.
[O texto abaixo pode ter gatilhos de temas sensíveis]
Na trama, o mundo tem os chamados “Negadores”. Tais pessoas são capazes de, inexplicavelmente, negar alguma característica específica, que é muito comum a todos. No caso de Undead Unluck, os protagonistas são um homem que nega a morte (o “Undead”) e uma garota que nega a sorte (a “Unluck”). E, logo no começo, a trama deixa claro que nenhum dos dois está feliz com seus “poderes”.
Andy, o morto-vivo/Undead, deseja desesperadamente morrer, já que está cansado de ficar nesta existência. Já Fuuko Izumo, a jovem Unluck, começa a história tentando tirar a própria vida, já que convive diariamente com o fato de acabar com a sorte das pessoas que tocam sua pele.
Tanto o anime quanto o mangá estabelecem que essa “falta de sorte” de Fuuko muitas vezes resulta em incidentes mortais, que acontecem justamente com as pessoas que ela mais ama. Se sentindo culpada por ser quem é, a garota tenta se matar — mas é impedida por Andy.
A união entre os dois personagens se dá porque o homem enxerga nela a oportunidade de ter a “morte perfeita”. Afinal, se Fuuko pode tirar a sorte de qualquer pessoa, quem melhor do que ela para, finalmente, acabar com essa angústia? É aqui que as coisas começam a ficar estranhas.
[Spoilers leves do anime abaixo]
Totalmente sem sorte
Até este momento, toda a premissa de Undead Unluck parece, ao menos, interessante. Afinal, estamos falando de pessoas com habilidades fantásticas e de uma decisão que possui diversas camadas de importância. O problema é como a história de Yoshifumi Tozuka escolhe abordar tudo isso.
Andy parece o tipo de protagonista criado para gerar empatia nas pessoas, mas tudo isso é feito de forma forçada – pelo menos no começo da trama. Todas as cenas com o personagem mostram ele sorrindo e sem se importar com nada. A ideia, parece, é fazer o público ter uma ligação com tal desprendimento, fruto de tantos anos de experiência na Terra. Mas tudo é feito de forma tão exagerada e brusca, que fica difícil sentir qualquer consideração pelo personagem, ou ao menos entender seu lado da história.
Esse exagero se reflete também em como Andy se relaciona com Fuuko. Desesperado para morrer e, novamente, sem se importar com nada ao redor, ele força a garota a situações estranhas — como no momento em que decide abraçar a jovem por baixo das roupas, para ter o maior contato possível com a pele dela e, por consequência, o maior azar de todos. A ideia, neste caso, parece ser gerar uma cena cômica (?), que evidencie o quão maluco o Undead pode ser. Porém, a única reação possível é um grande momento de estranheza.
Ao longo do primeiro episódio, Undead Unluck também apresenta uma organização que persegue os tais Negadores, por considerá-los um perigo para a humanidade. Andy, inclusive, é classificado como um sujeito de alta periculosidade — por não morrer e estar num momento um tanto anárquico da vida. Essa ameaça muda a relação entre o protagonista e Fuuko, já que ela tem medo de ser capturada e acaba enxergando no rapaz imortal uma espécie de protetor. Ainda assim, a garota precisa mentir para que ele pare de agarrá-la em busca do azar e os dois possam ter uma relação minimamente funcional.
É com essa premissa que Undead Unluck termina o primeiro episódio, brincando com a dualidade entre um homem que já viveu (literalmente) todas as fases da vida, e uma garota ingênua, que tem medo até de si mesma. Infelizmente, o sentimento é que uma trama que poderia ser interessante é desperdiçada por momentos esquisitos, que falham até mesmo em divertir o espectador.
O anime está disponível no Star+, enquanto o mangá é publicado no Brasil pela Panini.