A carreira de Gareth Edwards engatou rápido em Hollywood. Pouco após estrear na direção com Monstros (2010), o cineasta britânico se viu puxado ao mundo das grandes franquias, tocando em sequência Godzilla (2014), reboot da vertente norte-americana do kaiju mais famoso do cinema, e Star Wars: Rogue One (2016), o primeiro e mais querido derivado da icônica franquia.

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Como criar algo do zero quando grande parte da sua experiência é trabalhando em sagas já estabelecidas? Para Edwards, que agora lança o inédito drama cyberpunk Resistência, a resposta veio durante as férias — justamente quando tentava descansar da intensa produção que foi Rogue One.

Me lembro claramente que havia finalizado Star Wars e precisava de um respiro, ai eu e minha namorada decidimos viajar para ver meus sogros, que moram em Iowa, no outro lado dos Estados Unidos”, explicou o cineasta durante coletiva de imprensa em que o NerdBunker marcou presença. “Foi uma viagem de quatro dias de carro. A parte legal de finalizar um filme é que seu cérebro praticamente ‘limpa o HD’ e deixa sua mente como uma tela em branco. Não esperava encontrar meu próximo filme e nem ter nenhuma ideia.

Sem querer, o diretor esbarrou na ideia inicial de Resistência graças a paisagem rural dos EUA, em uma cena muito comum para muita gente, que é o ato de colocar os fones de ouvido e olhar pela janela ouvindo música. Gareth Edwards relembrou o processo:

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Enquanto passávamos pela área rural, vi uma fábrica que tinha um logo meio japonês. Do jeito que sou viciado em ficção científica, fiquei imaginando como seria se ali fosse uma fábrica de robôs. E então pensei qual a sensação de ser um robô e ver pela primeira vez o mundo do lado de fora da fábrica.

Tudo que você viu é o interior daquele prédio, mas de repente você vê a grama, as árvores e o céu. Como será essa sensação? Percebi que isso seria um bom momento em algum filme. Segui minha viagem normalmente, mas a ideia ficava voltando. Comecei a desenvolver esse pensamento. Quando chegamos na casa dos meus sogros, já tinha toda a base do filme planejada.

Sem perder tempo, o cineasta mergulhou na produção e manteve esse encontro entre tecnologia e natureza como o cerne da trama, ambientada em um mundo em guerra contra as máquinas. No meio do caos, um ex-agente especial chamado Joshua (John David Washington) é encarregado de encontrar o Criador de poderosas inteligências artificiais, mas acaba encontrando sua própria humanidade pelo caminho, em forma de uma criança-robô chamada Alphie (Madeleine Yuna Voyles).

Produção global

Madeleine Yuna Voyles conversa com o diretor Gareth Edwards no set de Resistência [Créditos: Divulgação]

Resistência bebe fortemente da cultura asiática, e Gareth Edwards quis trazer autenticidade ao filme. Ao invés de filmar em tela verde e criar seu mundo cyberpunk no computador, o cineasta juntou uma equipe enxuta e foi gravar tudo em vários países da Ásia. Na coletiva, o diretor garantiu que seu método acabou custando menos e ficando mais legal do que fazer tudo em estúdio.

Edwards relembra de bater boca com executivos, que insistiam que sua ambição custaria alguns milhões em pós-produção e aluguel de estúdios. Foi então que ele pensou em alternativas: “Decidi planejar o visual do filme ao redor das filmagens, só na etapa de finalização”, contou. “Pensei em fazermos o filme na ordem contrária. […] Com uma equipe pequena o bastante, ficou mais barato viajar para qualquer lugar do mundo do que construir um set.

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Sendo assim, a produção buscou “os vulcões da Indonésia, os templos budistas dos Himalaias, as ruínas de Cambodja” para trazer realismo e textura ao filme.

Produção de Resistência quis rodar tudo em locação [Créditos: Divulgação]

Olhando o roteiro e as ambiciosas ideias do cineasta, o estúdio havia estipulado que essa brincadeira não sairia por menos de US$200 milhões, para montar os sets e garantir bons efeitos especiais. No fim das contas, utilizando o método de Edwards de viajar com uma equipe pequena e rodar tudo em locação, o projeto todo custou US$80 milhões.

O cineasta, então, explicou melhor o significa de fazer o longa na ordem contrária:

Visitamos oito países diferentes e rodamos como se fosse um filme independente, até certo ponto. Quanto as filmagens chegaram ao fim, tínhamos grande parte do orçamento para investir em CGI na Industrial Light and Magic [lendária produtora criada por George Lucas] e outras produtoras. Editamos o filme e entregamos ao designer de produção e aos artistas conceituais, o que normalmente aconteceria um ano e meio antes. Assim, eles planejaram os efeitos visuais e toda a estética sci-fi apenas das cenas que realmente estariam no filme.

Dessa forma, não existe nada para a esquerda ou para a direita do que está em quadro. Tudo é muito eficiente, você usa apenas o que é visto em tela. Tudo que gostei desse filme é resultado de termos feito as coisas de formas diferentes, e me deixa bem animado. Talvez eu nunca volte ao método convencional de fazer filmes.

Riqueza natural

Ao invés de tela verde, Gareth Edwards optou por gravar Resistência em vários países asiáticos [Créditos: Divulgação]

Para muita gente de Hollywood, rodar um filme em pequenas vilas pela Ásia pode parecer um pesadelo, mas Gareth Edwards e sua equipe parecem ter adorado a experiência — e os habitantes dos locais usados pela produção, também.

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Todos os figurantes dos filmes, na real, são moradores das pequenas vilas ao redor das locações, como de vilas próximas à templos budistas”, explicou o diretor, relembrando como foi filmar no Nepal. “Algumas das crianças até toparam raspar a cabeça para interpretarem monjes ou robôs. Foi meio surreal. Você espera ter problemas, mas na verdade as crianças ficaram muito animadas com a ideia de aparecer em um blockbuster de Hollywood.

Por conta disso, Resistência é repleto de belíssimas paisagens naturais e de momentos cotidianos dos habitantes das vilas. O cineasta rodou vários trechos do dia a dia nesses países, quase como em um documentário, e depois complementou com artifícios de ficção científica na pós-produção. Edwards reconta:

Tem gente no filme que sequer sabe que está no filme. Em uma cena, coloquei uma câmera para fora da van que estávamos porque sempre via muita gente incrível passando em bicicletas, com carrinhos repletos de frutas e legumes sendo levados às feiras. 

Tentava capturar alguém, mas nunca ficava bom, até que consegui a filmagem perfeita de um cara dirigindo um ciclomotor muito antigo, carregando bananas em seu carrinho atrelado. Fiquei muito animado e pensei ‘Vou transformar esse cara em um robô’, porque há algo muito engraçado na ideia de um robô pilotando uma moto antiga e transportando bananas.

No fim das contas, esse carinho pela cultura e cotidiano asiático foi o que moldou o filme. A trama, aliás, acompanha um conflito entre os Estados Unidos, traumatizados por um incidente nuclear envolvendo inteligência artificial, e o que é chamado de Nova Ásia, nação que segue utilizando tecnologia de ponta normalmente. De início, pela perspectiva do protagonista, há certo preconceito contra as nações asiáticas, mas gradualmente Joshua percebe a lavagem cerebral a que foi sujeito por seu país de origem.

Edwards explica que, apesar de ter cogitado outros lugares do mundo, achou que o Sudeste Asiático era perfeito para ambientar a trama justamente pelo equilíbrio entre metrópoles gigantescas e vilas rurais, contraste que conversa diretamente com a essência de sua obra e com o que aprendeu tocando Rogue One.

Algo que George Lucas fez tão bem em Star Wars é pegar coisas do passado, como a espiritualidade, mitologia e histórias religiosas, e levar tudo isso ao futuro. Não existe lugar no mundo mais assim do que o Sudeste Asiático.

Lugares como Hong Kong, Bangkok ou Tóquio têm metrópoles que parecem saídas de Blade Runner, mas basta descer algumas ruas que você encontra algo como um templo budista. Eu amo esse contraste visual, parece como os dois pólos de uma bateria carregada e cheia de energia. É isso que você busca como cineasta, tanto nas histórias quanto na estética.

Resistência chega aos cinemas brasileiros em 28 de setembro.