Soulslike é um dos gêneros mais populares nos últimos anos, com muitos jogos por aí que pegam emprestado alguns dos elementos das aclamadas obras da FromSoftware, seja em termos de jogabilidade, dificuldade, história ou conceito.

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Lies of P é um deles, mas que se destaca por realmente levar a sério a tarefa de se basear nos pioneiros do gênero — principalmente Bloodborne, sendo um verdadeiro (e inusitado) sucessor espiritual para o game.

Mentiras bem contadas

Desenvolvido pelo sul-coreano Round8 Studio, o jogo é um RPG de ação ao estilo soulslike, que se inspira em Pinóquio, a clássica história do escritor italiano Carlo Collodi, e na estética gótica da Era Vitoriana.

Uma descrição excêntrica, que chamou a atenção da comunidade logo de cara — e não é que a mistura deu certo?

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Os sistemas de personagem, a estrutura de mundo, as quests de NPCs e o combate são a cara de Bloodborne, com alguns toques próprios do mundo automatizado (Imagem: Lies of P/Round8/Captura de tela)

Lies of P é ambientado em Krat, cidade que prosperou com a criação de títeres (bonecos automatizados) para auxiliar os humanos outrora, mas que agora se encontra em ruínas.

Por algum motivo desconhecido, os títeres saíram de controle e começaram a assassinar as pessoas, ao mesmo tempo em que uma doença fatal (que causa a petrificação do corpo) apareceu. Os bonecos enlouquecidos ainda servem a uma causa cheia de segredos — e resta ao jogador desvendar os mistérios. Para isso, você controla um títere que é especial por ter sido criado por Geppetto, uma das mentes mais brilhantes de Krat.

Assim, a narrativa se desenrola ao redor de vários temas contemporâneos e ligados a Pinóquio, como empatia e mentiras, mas principalmente com o questionamento do que torna alguém humano.

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De forma geral, a história é direta e sem abertura para interpretações, então é mais palatável para um soulslike. Ainda há diálogos enigmáticos, descrições importantes de itens e pontas que o jogador precisa prender, mas o entendimento geral é bem simples.

A trama também é bifurcada por quests secundárias, que envolvem NPCs espalhados por Krat e, muitas vezes, envolvem escolhas entre falar a verdade ou mentir — o que gera consequências. As missões também são simples e diretas, sendo até fáceis de serem concluídas, mas rendem boas recompensas e adicionam mais camadas à cidade.

Nem todos os títeres enlouqueceram, e alguns parecem ter despertado sentimentos — uma questão que é explorada a todo momento no jogo (Imagem: Lies of P/Round8/Captura de tela)

Algo curioso é que a inspiração em Pinóquio é perceptível por todo lado, mas não de forma óbvia. Há poucos paralelos diretos (como o protagonista ter sido criado por Geppetto, quem o considera como filho), mas a maioria está nas entrelinhas da ambientação, estética visual, design de inimigos e personalidade de NPCs.

E Lies of P não bebe apenas da fonte do boneco de madeira de Collodi. Há várias referências a outras obras e elementos históricos, como O Fantasma da Ópera, o pintor Dorian Gray e até à famosa escultura Pietà, o que enriquece a bagagem do jogo.

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Alma automatizada de Bloodborne

A estrutura de mundo de Lies of P é baseada em áreas interligadas, mas existe um forte senso de linearidade no level design. Assim, os cenários são parrudos em tamanho e conteúdo, mas é possível explorar cada cantinho e segredo em apenas uma visita.

O visual de cada parte de Krat tem gráficos satisfatórios, mas não impecáveis — e também não têm intenção disso. Assim como qualquer soulsborne, o jogo foca (e acerta a mão) na direção de arte, o que torna a cidade esteticamente chamativa. A ambientação é voltada para a Era Vitoriana, mas flerta com steampunk pelos elementos de automatização, o que gera locais que narram histórias por si só. Isso também leva a uma construção impecável de atmosfera, que nos transporta para as ruínas de Krat.

Em alguns momentos específicos, o jogador precisa escolher entre mentir ou dizer a verdade sobre algo, o que traz consequências à história (Imagem: Lies of P/Round8/Captura de tela)

É em termos principalmente de jogabilidade que Lies of P se aproxima (e muito) de Bloodborne, mas sem deixar de ter toques que são motivados pelos conceitos de Pinóquio.

Com três “classes” iniciais, os comandos básicos do protagonista incluem ataque rápido, ataque pesado, esquiva e parry (bloqueio com contra-ataque). A variedade do gameplay entra com as diversas armas disponíveis, além de mecânicas mais únicas. As espadas, por exemplo, têm durabilidade e você precisa afia-las após um tempo — e ainda pode adicionar algum dano elemental no fio delas. Você também pode combinar a ponta de uma arma com o cabo de outra, mudando o estilo de combate daquela peça.

Além disso, há “ataques de fábulas”, que são golpes poderosos que precisam ser carregados. O maior diferencial, no entanto, é o Braço Legionário, que basicamente é um braço mecânico que pode ser modificado com um aparato especial, como choques elétricos, jorradas de ácido, escudo e (meu favorito) lança-chamas.

O visual de vários cenários se destaca e exige alguns minutos de apreciação! (Imagem: Lies of P/Round8/Divulgação)

Outra mecânica chamativa é a possibilidade de atordoamento de um inimigo ou chefe. Ao acertar golpes consecutivos, a barra de vida do adversário brilha e, então, ele pode ser atordoado por alguns segundos com um ataque pesado — o que dá brecha para um poderoso ataque letal.

Equilibrar os comandos básicos com as particularidades de títere, somado à variedade de inimigos e chefes com diferentes comportamentos e padrões de ataque, é divertidíssimo do início ao fim, o que torna Lies of P um deleite para fãs de soulslike. A única parte negativa é que o parry tem uma janela bem curta de acerto, então é difícil e demorado de dominar.

Os aspectos do títere protagonista, como nível de ataque e quantidade de vigor, é atualizado em um sistema idêntico ao de Bloodborne, que usa uma quantidade de Ergo (pontos concedidos por inimigos derrotados) para os upgrades. No entanto, também há uma árvore de habilidades, servindo como atualizações extras que melhoram algo específico, como aumentar a quantidade de frascos de vida, diminuir a quantidade consumida de vigor ao correr e por aí vai.

Se prepare para alguns chefes… (Imagem: Lies of P/Round8/Captura de tela)

A trilha sonora é tão grandiosa quanto a estética do jogo, com canções orquestradas, ora calmas, ora agitadas. É a música que estabelece e dita a atmosfera do momento, dando um tom calmo à exploração e uma sensação de urgência às lutas de chefes.

Para veteranos do gênero, Lies of P pode parecer como uma versão “condensada” de souslike, mas isso não tem nada a ver com dificuldade — acredite, o jogo é desafiador e difícil (inclusive, ô joguinho para gostar de chefes com duas fases!).

O que acontece é que existem mecânicas que favorecem o jogador, amenizando o aspecto punitivo. Além de ter uma história clara, há ajudas para você não ficar perdido, como existir um artefato que leva o protagonista de volta ao último Stargazer (área de checkpoint), o Ergo perdido em uma luta de chefe ficar fora da área de combate e as quests de NPCs serem sinalizadas nas áreas, por exemplo.

Não é algo que afetou negativamente minha experiência, mas que certamente tornou a jornada em Krat menos complicada e demorada do que poderia ter sido. Resta a você decidir se isso é algo bom ou não para seu estilo de jogo.

Por fim, Lies of P não tem diferentes níveis de dificuldade, sendo um único para todos os jogadores, e também não apresenta recursos de acessibilidade para PcD (pessoas com deficiência). No entanto, o game tem uma boa localização em português brasileiro, o que é importante para um soulslike com muitos itens, sistemas e mecânicas que exigem várias lidas.

Um excelente menino!

Como uma fã fervorosa de soulsborne, é inevitável sentir que Lies of P é um sucessor espiritual (por mais que um tanto inusitado) de Bloodborne, que não deixa de adicionar seu próprio toque à fórmula que foi popularizada pela FromSoftware.

Se você jogou a demo de Lies of P, fica o aviso de que a esquiva foi consertada e tudo está ainda mais polido, o que gera uma jogabilidade deliciosamente viciante (Imagem: Lies of P/Round8/Captura de tela)

Do início ao fim, o jogo é engajante, desafiador e extremamente viciante, com uma jogabilidade bem variada, chefes marcantes, NPCs excêntricos e uma história cheia de mistérios. Explorar Krat e conhecer o mundo de títeres é mergulhar em uma verdadeira fábula — o que torna difícil a tarefa de não devorar muitas horas do game em pouco tempo.

Após 45 horas com Lies of P (e contando, graças ao Novo Jogo+ que deixa os chefes ainda mais desafiadores), parece que o frenesi dos títeres me pegou completamente.


Esta review foi feita com uma cópia cedida pela Neowiz Games.

Lies of P está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X|S e PC.

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