A Unity, um dos motores gráficos mais populares para a criação de jogos eletrônicos, pegou todos de surpresa com o anúncio recente de que terá mudanças na política de utilização — que estão causando polêmica.

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O debate está fervoroso, e o assunto até alcançou pessoas fora da área de desenvolvimento de jogos. Por isso, muitos estão sem entender o que está acontecendo. Afinal, como a nova política pode afetar a indústria?

A fim de entender o que as mudanças significam para o futuro da Unity, o NerdBunker conversou com Wenes Soares, criador do portal “Crie Seus Jogos” e programador do vindouro Cyberwar: Neon City, que tem mais de 10 anos de experiência com a engine.

O que vai mudar?

(Imagem: Unity/Divulgação)

Antes de mais nada, é preciso entender que a Unity tem dois planos principais: o gratuito e o pago (este segundo, apelidado de “PRO”). Ambos oferecem as mesmas ferramentas, e a diferença é que o segundo tem acesso a serviços extras pelo preço anual de US$ 2 mil.

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Atualmente, a regra da engine é que, se um jogo do plano gratuito tiver faturamento superior a US$ 100 mil, precisa migrar obrigatoriamente para “PRO” — mas isso mudará em 2024.

A partir do dia 1º de janeiro, a Unity adota uma nova política financeira, que envolve uma taxação com o número de instalações de um game. Os estúdios que usam o plano gratuito e tiveram um jogo com mais de 200 mil instalações, além de um faturamento superior a R$ 200 mil, terão que pagar uma taxa de 20 centavos de dólares por instalação. Ou seja, a partir daquele momento, cada “cópia vendida” será taxada.

A regra é mais generosa com o plano pago, impondo os limites de US$ 1 milhão em vendas e 1 milhão de instalações até a taxa começar a ser cobrada. O valor taxado também diminui progressivamente no “PRO”, conforme indicado na tabela divulgada pelo site oficial da Unity. Veja abaixo (em português):

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A tabela oficial dos valores da taxação (Imagem: Unity/Divulgação)

A princípio, a Unity anunciou que seriam todas as instalações e reinstalações que seriam contabilizadas. No entanto, após uma onda de críticas dos desenvolvedores, a engine voltou atrás e anunciou que apenas a primeira instalação valerá para a taxa.

A cobrança ainda é retroativa, portanto, mesmo jogos já lançados podem ser taxados, se ultrapassaram os dois limites impostos.

No caso dos brasileiros, ainda há uma regra extra — que é, na verdade, positiva. Os países que são considerados como emergentes (o que inclui o Brasil) serão taxados em um valor menor de 2 centavos de dólares. É importante ressaltar que a Unity é o motor gráfico mais usado no país atualmente, servindo de base para games como Unsighted, Horizon Chase, Dodgeball Academia, No Place for Bravery, Relic Hunters, Tetragon e vários outros.

Como pode afetar os estúdios?

Ainda é cedo para afirmar como a nova política da Unity afetará a indústria como um todo, mas a previsão é de que será mais prejudicial a estúdios de médio e grande portes — e não indies, ao contrário do que muitos estão pensando.

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Isso porque, segundo dados da VG Insights em uma pesquisa feita em 2020, apenas 9% de todos os jogos independentes do Steam ultrapassaram a marca de US$ 200 mil (o limite para o início da taxação) de faturamento. Portanto, a maioria (91%) não entra na taxa.

Resultado do levantamento de dados com base nos jogos indie no Steam, em 2020 (Imagem: VG Insights/Divulgação)

Um modelo que pode ser bastante prejudicado, no entanto, é o free-to-play, que é dominante em mobile. Isso porque, uma vez que o game é gratuito, corre mais risco de ser instalado por pessoas que apenas o testam e acabam não investindo no game. Segundo Wenes Soares:

“Muitos não sabem, mas mais de 50% dos jogos mobile usam a Unity. E também temos grandes empresas usando a engine, como Nintendo, Ubisoft, Activision Blizzard e outras. Então os gratuitos, além dos estúdios de médio e grande porte, devem ser os mais prejudicados nisso tudo.”

Wenes ainda conta que, mesmo com o novo modelo, as comparações mostram que a Unity continua sendo mais barata em relação a outras engines, como a famosa Unreal Engine da Epic Games, por exemplo.

Portanto, o que mais gerou polêmica, segundo o desenvolvedor, foi a maneira como tudo foi anunciado, com muitas dúvidas envolvendo a contabilização do número de instalações. “Foi muita pergunta sem resposta para o jeito que eles querem implementar”, explica.

A principal preocupação é o método da Unity para contabilizar as instalações. Segundo comunicado oficial, a engine terá um modelo próprio de dados para isso — o que deixou uma pulga atrás das orelhas dos desenvolvedores.

“Eles não especificaram, apenas falaram que têm um modelo próprio e isso gerou revolta nos desenvolvedores, que perguntaram ‘como confiar em um rastreamento que ninguém sabe como é?’.”

Outra questão envolve a pirataria. Segundo a Unity, cópias instaladas de forma não legalizada não serão contabilizadas. Mas, de novo, muitos estão com dúvida se a engine saberá diferenciar as versões compradas e as piratas.

O mesmo acontece com as demos (demonstrações gratuitas). A Unity afirma que apenas jogos em beta e acesso antecipado serão contabilizados como uma “cópia vendida”, mas não esclareceu como pretende diferenciá-los das demos menores.

“Entra a mesma questão: como vão diferenciar as demos menores dos betas e acessos antecipados? […] Isso pode até acabar ou diminuir consideravelmente a quantidade de demos de jogos feitos na Unity. Porque muitos não vão querer arriscar em contabilizar as instalações antes do lançamento.”

Vale ressaltar que a Unity afirmou que, se algum desenvolvedor achar que a contabilização de um jogo está errada, pode entrar em contato com o suporte. Mas, se isso realmente funcionará na prática, só nos resta esperar para ver.

Os estúdios podem falir?

O estúdio de Cult of the Lamb chegou a dizer que deletará o jogo em janeiro (Imagem: Massive Monster/Divulgação)

Muitos estúdios e publicadoras se pronunciaram contra as novidades da Unity, com algumas até alegando que podem falir ou ter projetos completamente inviabilizados. Para Wenes, os pronunciamentos são mais uma pressão que as empresas estão fazendo (e com razão) do que um risco real.

“O estúdio estão certos [em fazer pressão] porque foi uma cobrança que veio do nada. A Unity apenas chegou e aplicou tudo de uma vez. Se tivesse ido aos poucos ou ter sido algo mais planejado, com mais esclarecimentos e abertos a discussão, acredito que não teria tanta repercussão”.

No entanto, o desenvolvedor reforça que ainda é bem difícil prever como o mercado reagirá à nova medida e se os estúdios vão conseguir se adaptar.

E o futuro da Unity?

Com mais de 10 anos de uso da Unity, Wenes ressalta que nunca viu uma mudança tão brusca na política da engine antes. “Teve uma mudança de preço de plano no ano passado, mas não foi tão grande, então ficou por isso mesmo. Essa foi a primeira vez que teve uma mudança tão radical”, conta.

Não à toa, vários desenvolvedores e estúdios afirmaram que começaram a perder a confiança na liderança do motor gráfico e pensam em migrar para outra engine. Wenes explica, no entanto, que a desconfiança da comunidade com a Unity não é nova — principalmente por causa do comando do CEO John Riccitiello.

“Tem mais de um ano que a Unity tem sido dirigida por um pessoal que gosta de polêmica. O CEO mesmo já tinha dado algumas declarações que os usuários não gostaram. Então a Unity já veio [com as mudanças] cercada de desconfiança e acabou nisso. É perfeitamente compreensível o lado dos desenvolvedores”.

Agora, só o tempo dirá como será o futuro da Unity no mercado.

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Fontes: Unity / Crie Seus Jogos / VG Insights