Starfield, novo RPG de mundo aberto da Bethesda, foi assunto de diversas conversas na última semana. Nas redes sociais, o título gerou uma guerra sem fim, com pessoas defendendo ou acusando o jogo, de alguma maneira.

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Com o lançamento oficial do game, vale a pena revisitar alguns pontos que foram digeridos com mais tempo agora, especialmente por parte da imprensa (incluindo o NerdBunker), que teve acesso ao título antes do público geral.

Cada coisa no seu tempo

É fácil perceber como um prazo mais curto pode prejudicar algumas experiências e gerar conclusões precipitadas. Starfield dá ao jogador a liberdade de fazer o que quiser, a partir do momento em que coloca as mãos na primeira nave espacial. Isso acontece entre 30 e 40 minutos de jogo, mais ou menos – sem contar o tempo para criar o personagem.

E essa liberdade também é a ruína de Starfield. Com a premissa de explorar mil planetas em diversos sistemas estelares, quem em sã consciência quer fazer algo determinado pelo jogo? Por conta disso, é comum sair à esmo pelo espaço, sem nem saber direito como utilizar o motor de dobra para trocar de sistemas estelares.

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Neste caso, não é uma questão de obrigar o jogador a fazer uma coisa ou outra primeiro, dentro da proposta de um RPG de mundo aberto, focado exatamente na liberdade de escolha. Mas entender que, para te ensinar o básico, o game precisa que você obedeça uma ordem pré-estabelecida pela narrativa.

A campanha principal tende a explicar as mecânicas básicas do jogo, à medida que elas surgem pelo seu caminho. Só que o jogo não vai pegar o jogador pela mão e esmiuçar tudo que é preciso saber, ele só mostra o essencial. Às vezes cabe ao jogador tirar algumas conclusões à medida que vai jogando mesmo, não tem jeito.

No seu quarto tem um cofre bastante útil, não esqueça de utilizá-lo (Reprodução)

A coleta de recursos é um dos melhores exemplos. Todo jogador praticamente se transforma em um catador de lixo espacial, pegando tudo o que vê pela frente. Mas, estamos falando de um RPG da Bethesda, logo, seu inventário é (extremamente) limitado. Isso aumenta conforme o tempo, é claro. Mas são necessários muitos pontos de habilidade para conquistar o que chamo de “qualidade de vida” dentro do game. É preciso melhorar carga, mobilidade e habilidade de voo no jetpack – porque alguém do desenvolvimento do jogo achou que veículos não eram necessários para a exploração do planeta.

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Então, é normal gastar horas para melhorar a capacidade de colher recursos – entre minerais, restos mortais de criaturas bizarras, alimentos e outras coisas – apenas para descobrir que todos esses recursos não poderão ser bem aproveitados de imediato. Outras habilidades precisam ser destravadas para que todo o conceito de criação de itens da gameplay seja funcional. Burocrático é pouco.

A moral da história, no caso dos recursos, é deixar a coleta para depois, a não ser que você esteja dedicando parte da sua jogatina especificamente à pesquisa e criação de itens ou updates de armas e armaduras. Mesmo com as habilidades de força física no máximo, o estoque pessoal é limitado, assim como o da nave (minúsculo, mas que pode ser aumentado com pontos em outras habilidades, veja só) e de seus companheiros. A melhor alternativa no começo do jogo é passar no seu quarto, no QG da Constelação, e utilizar um cofre com armazenamento infinito – embora seja preciso voltar até o local sempre que precisar de algo.

Mil planetas, pura ostentação

Imagem de Starfield
Cada pontinho do mapa estelar é um sistema próprio, com seu próprio sol e planetas em volta (Reprodução)

Uma das características mais marcantes da campanha publicitária de Starfield diz respeito a uma “galáxia com cerca de mil planetas que podem ser explorados”. E, sem dúvida, essa foi a pior forma de apresentar a experiência do game aos jogadores.

O “mapa” de Starfield é tão absurdo que chega a assustar mesmo os que já estão acostumados a mundos abertos gigantescos. Praticamente tudo que foi criado para o game está disponível a partir do momento que o jogador coloca as mãos em uma nave espacial. Incluindo toda uma galáxia com seus sistemas estelares, que o marketing do game afirma possibilitar a visita em mil planetas diferentes – a grande maioria criada de forma procedural.

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É possível visitar qualquer planeta que desejar no game? Sim, mas é preciso ficar de olho no nível sugerido do lugar. Cada sistema estelar possui um nível de força sugerido para que o jogador não seja escorraçado por alguma ameaça local. Estamos falando de perigos iminentes, como piratas espaciais que podem estar na órbita (ou em bases secretas) nestes planetas, ou mesmo a fauna local. Visitar um planeta de um sistema estelar de nível 40, quando ainda estamos no nível 5 pode não ser uma escolha muito esperta

Explorar planetas em Starfield se resume a escanear um monte de rochas e lugares vazios. Ok, quase sempre vazios. De vez em quando alguma vida alienígena na forma de criaturas que parecem criadas por inteligência artificial. Outras vezes nem isso acontece. Apenas escaneamos qualquer coisa que apita no visor, visitamos lugares abandonados e quebramos pedras com a ajuda de uma talhadeira laser. É chato da primeira vez, e fica pior com o passar das horas.

Os planetas são extremamente grandes, mas a área de exploração é dividida em setores. Para explorar todo o planeta, é preciso voltar para a nave e pousar em novas áreas, pois não dá para cobrir toda a extensão de uma única vez. E, sendo sincero, se nesse formato de área já é chato, andar por um planeta inteiro de uma vez seria mais castigo do que diversão.

Quanto mais perto do sol, mais radioativo os planetas se tornam, expondo o jogador a ondas de calor absurdas. Quanto mais distante do sol, o frio extremo também é um fator preocupante. Essas considerações são importantes porque geram debuffs no jogador: queimaduras, intoxicação, tosse, câimbras e mais um monte de status negativos que podem ser acumulados ao longo da exploração.

Outra coisa bastante importante é a gravidade de cada planeta. Quando a gravidade é quase nula, explorar com a ajuda do jetpack é uma maravilha: pulos enormes, voos quase infinitos. Mas não é sempre que a gravidade favorece o jogador – apesar de não ter encontrado nenhum planeta com a gravidade de +10 como em Dragon Ball, alguns planetas se comportam bastante como a Terra (9,8m/s²).

Em nenhum momento esses planetas deveriam servir como divulgação do game. Isso leva a comparações infundadas com No Man’s Sky, por exemplo, e são jogos com propostas completamente diferentes. Aqui temos o bom e velho RPG da Bethesda em ação. Tudo em volta deste conceito são extras, inclusive a exploração de planetas.

Mundo vazio

Imagem de Starfield
Neon é uma cidade futurista construída no meio do mar (Reprodução)

Em Starfield, ficamos sabendo que a humanidade se espalhou pela galáxia em uma organização chamada Sistemas Colonizados. A colonização espacial por humanos tem 300 anos (a história do game inicia-se em 2330), e é normal imaginar que todos os planetas foram explorados previamente. Mas, com exceção de quatro, nenhum deles ganhou uma cidade gigantesca para dar um rolê.

Como “videogame”, é muito ruim encontrarmos planetas vazios, escassos de fauna e flora. Afinal, planícies desertas gigantescas para correr a esmo e escanear pontos de interesse não são nem um pouco interessantes.

Os desenvolvedores explicam que a criação dos planetas funciona de forma procedural. Isso quer dizer que o jogo cria o terreno dos planetas e insere de forma aleatória as construções nele. Se é um planeta de uma missão, pode ter certeza que ele vai ser bem mais bonito que algum aleatório de um sistema estelar distante. Mas, em sua maioria esmagadora, estes planetas são completamente “vazios”.

Agora trago um questionamento, sem passar pano algum: será que não é assim na vida real também? No geral, pelo menos em nosso Sistema Solar, a grande maioria dos planetas que conseguimos ter um deslumbre é desse jeitinho mesmo. Todo o charme de Cidônia, a colônia subterrânea em Marte, é fantasia. Eu sei, queríamos mais fantasia no game, mas parece que os desenvolvedores optaram pelo caminho mais fácil de “replicar a realidade”.

A incógnita dos Entrepostos

Desde o momento em que ligamos o scanner pela primeira vez (com o LB do controle do Xbox), a opção “Entrepostos (x)” já está disponível. Quando há recursos suficientes, podemos começar o nosso próprio centro de pesquisas em qualquer planeta dos Sistemas Colonizados.

Imagem de Starfield
No geral, os planetas se apresentam mais ou menos assim, mas sem a tempestade de areia que estava rolando no momento da foto (Reprodução)

Mas, qual é a finalidade de um entreposto? O que ele adiciona à narrativa? Como o jogador pode se beneficiar disso? Como sei que estou gerando lucros com isso? Preciso deixar alguém cuidando do meu entreposto quando saio? Apesar de contar com mais de 60h de jogo, ainda não sei a resposta para todas essas perguntas.

A criação de entrepostos está inserida em Starfield de forma completamente avulsa. É muito legal, na teoria, mas não consigo pensar em nenhuma aplicação funcional que seja divertida dentro do jogo. Você pode pensar em convidar amigos para visitar seu entreposto, mas Starfield é completamente single player, então isso não é possível.

O sistema de entrepostos do jogo permite criar locais como um centro de pesquisas, uma base militar ou uma residência. Com o maquinário certo, o entreposto passa a coletar recursos para você; com as instalações corretas, é possível enviar empregados de um entreposto a outro em planetas diferentes; já com os centros de armazenamento é possível até mesmo acessar itens que estão há anos-luz. Ou pelo menos é o que dizem os descritivos dos itens de construção, porque não cheguei lá ainda e o jogo não me deu uma explicação sequer do que fazer com um entreposto.

Há uma missão principal que coloca o jogador frente a frente com a construção de um entreposto. Sem maiores detalhes porque não quero dar spoilers, e isso acontece bem à frente na campanha. Existe uma demanda para a construção de um item de missão, assim, ele foi a primeira coisa que eu construí. Como sobraram materiais, resolvi construir uma base em volta; então percebi que, talvez, teria sido melhor construir a base, e depois o item específico, já que a ideia era deixá-lo protegido dentro de algum lugar. Só que agora não é possível colocar esse item dentro da base que construí, porque ele é muito grande e não tenho recursos suficientes para construir outro abrigo e deletar o antigo. Bem, ficou horrível, mas passei a missão.

Imagem de Starfield
Meu entreposto no meio do nada ficou uma porcaria, mas um dia ele será um grande centro de pesquisas (Reprodução)

Gostaria muito que os entrepostos se tornassem algo incrível dentro de Starfield, mas hoje não consigo ver uma real necessidade para eles. Talvez daqui um mês essa percepção mude, com a comunidade criando coisas legais nesse sentido, mas, por enquanto, essa é uma das mecânicas de jogo mais avulsas dentro do game.

Uma novela espacial

Um dos aspectos mais interessantes de Starfield, e com razão, é a trama. Afinal, estamos falando de uma história que começa com o jogador fazendo parte da Constelação, uma organização que visa explorar o espaço e descobrir seus segredos. Um desses segredos diz respeito aos Artefatos, misteriosos pedaços de metal que ressoam entre si, criando um campo gravitacional próprio e até mesmo dando poderes especiais a alguns poucos que conseguem manipulá-los.

A narrativa principal coloca o jogador em inúmeras situações de gameplay, o que é legal demais. Mesmo quando o personagem não é focado em malandragem, por vezes é preciso sair de algumas enrascadas simplesmente na base da conversa. Em outros momentos, é necessário sutileza para se esgueirar sem ser notado pelos inimigos. E, claro, há o bom e velho tiroteio espacial, com armas que vão de machados a metralhadoras, passando por lasers super modernos – sempre uma maneira divertida de resolver os problemas.

Imagem de Starfield
Seguindo a história do game, uma hora chegamos numa baladinha sinistra para uma reunião de negócios (Reprodução)

Além da Constelação, existem outras grandes organizações que ajudam a reger a ordem no universo. E, dependendo da construção do seu personagem, é possível ingressar em todas ao mesmo tempo. As duas maiores são: a Vanguarda, uma força militar composta por civis com um grande senso de dever, e atende às necessidades da União das Colônias, o principal governo intergalático em Starfield. E a segunda é a Confederação Freestar, que atua como oposição a esse governo e administra grande parte dos Sistemas Colonizados. Visualmente, elas funcionam como um Velho Oeste espacial meio cyberpunk.

Outras organizações menores, como a casa Va’Ruun, cuja fidelidade pertence ao deus Ofídico, garante a obediência de todos em uma pregação interestelar. Já os criminosos da Frota Escarlate são um grupo de piratas que se espalhou pela galáxia e vai causar muitos problemas ao jogador, além de algumas boas histórias.

Cada uma dessas organizações funciona como um núcleo narrativo próprio. Ser um comandante da Vanguarda não traz vantagem alguma ao jogador durante a campanha principal. Mesmo assim, vale a pena conhecer as histórias contadas nessas missões paralelas.

Numa delas, por exemplo, à serviço da Vanguarda, precisamos caçar a origem da nova infestação de Terrormorfos, criaturas assassinas monstruosas que estão voltando a aparecer e causar o caos nos Sistemas Colonizados. No passado, os Terrrormorfos já dizimaram planetas inteiros em menos tempo do que o socorro pudesse chegar por lá. Eles são feios, grandes e exigem um pouco mais de estratégia no combate quando o nível do jogador é muito baixo.

Imagem de Starfield
A armadura Mantis garante o seu conforto nas primeiras 20h do game (Reprodução)

Vivenciar essas missões paralelas também revela o paradeiro de alguns itens muito especiais. Armas exóticas, naves espaciais fantásticas e armaduras que melhoram o status absurdamente podem ser encontrados através de pistas deixadas por meliantes derrotados em missões. A primeira delas é um tesouro misterioso em Denebola 1-b. Se você visitar o planeta logo no começo do jogo e se garantir na batalha de nível 30 (não é tão difícil assim), a recompensa vale mais do que a pena: uma armadura e uma nave espacial novinha em folha.

Felizes para sempre

Os relacionamentos entre o jogador e os personagens que o acompanham na jornada são um tanto decepcionantes. Não bastasse a clássica falta de emoção dos NPCs nas conversas particulares, o sistema de relacionamento é extremamente sem graça, os personagens interagem de poucas formas e só fazem a gente passar vergonha com alguns diálogos cafonas demais.

Xavecar seus companheiros de aventura não é obrigatório, mas sempre existe uma opção disponível ao jogador. Dependendo da sua intimidade com os NPCs, laços afetivos são criados e é possível até mesmo casar – com direito a cerimônia e tudo.

Imagem de Starfield
Sua esposa vai acompanhá-lo mesmo se o rolê for a maior furada da galáxia (Reprodução)

Com o casamento, é de se esperar que a intimidade também aumente. Aí entra o sexo na jogada – descoberto recentemente na minha gameplay. Basta que o companheiro em questão seja o seu acompanhante de viagem. Após você descansar em uma cama, há uma conversinha com indiretas e você ganha um bônus: “Segurança Emocional”, garantindo 15% a mais de XP por alguns minutos. É bem qualquer coisa, infelizmente.

Resumindo (depois de infinitos parágrafos), Starfield ainda possui muitos segredos não descobertos por ninguém. E essa é a sua grande qualidade. Um jogo enorme como esse com certeza esconde surpresas que vão demorar para serem descobertas. O que espero ver é a comunidade nessa corrida pelos mistérios de Starfield, histórias que vão acontecer naturalmente, sem que a guerra dos consoles da vida real atrapalhe o seu curso. O futuro de Starfield com certeza é muito mais empolgante que o seu presente.


Starfield está disponível para Xbox Series X|S e PC.