Após se tornar um gênero consolidado nos cinemas, os super-heróis começam a tomar novos caminhos, incluindo obras que questionam a natureza dos salvadores. Essa discussão chega ao Brasil com o Overman, filme focado no personagem da renomada cartunista Laerte. A produção promete acompanhar um herói à brasileira que, ao mesmo tempo, responde e é influenciado pelos vigilantes mascarados de Hollywood.
O NerdBunker foi convidado pela Star Productions a acompanhar um dia no set de filmagens da produção e a conversar com o elenco principal e o diretor Tomás Portella. O cineasta não fez mistério e deixou claro logo de cara que os responsáveis por Overman não estão alheios aos outros super-heróis dos cinemas ao definir o protagonista como “uma mistura de Deadpool com, Macunaíma, com Zé Carioca”. Um comparativo que serve para ilustrar o tom do projeto:
“O Deadpool inaugurou o super-herói politicamente incorreto, digamos assim. Mas a gente tem uma brasilidade que o Deadpool não tem. O Overman é um super-herói que quer ser feliz, ele não quer salvar o mundo – a não ser que isso é o que vai fazer ele ficar feliz. E isso é muito interessante, porque ele é só uma pessoa com superpoderes tentando lidar com isso, tentando entender quem ele é.”
E não é como se Portella tivesse a escolha de simplesmente ignorar os super-heróis hollywoodianos, já que ele mesmo trabalhou com um deles. O cineasta foi assistente de direção de O Incrível Hulk (2008), que se passa parcialmente no Rio de Janeiro. A experiência ensinou muito, mas também deixou claro as diferenças entre a forma norte-americana e a brasileira de fazer cinema:
“A grande lição foi sobre planejamento, que é uma coisa muito importante. Mas a gente faz muito diferente. Eles filmaram dez dias no Brasil com seis vezes mais orçamento que a gente [tem para o filme todo]. Eles filmam cinco planos por dia, um processo mais lento e até engessado. Mas eles têm um conhecimento incrível.”
O Incrível Hulk foi o segundo filme do Universo Cinematográfico da Marvel, que atualmente passa dos 30 e não tem previsão de acabar. Essa quantidade de lançamentos, juntamente a produções de outros universos, levou o público a sentir uma fadiga dos vigilantes mascarados. “O pessoal exagerou no filme de super-herói”, refletiu Portella, “mas o nosso é bem diferente”.
Para o cineasta, a primeira grande diferença está no fato de que, no Brasil, a produção de filmes de super-heróis não é frequente. Porém, a existência de projetos como esse também marca a evolução da indústria nacional:
“Quando eu comecei a fazer cinema, o filme brasileiro era um gênero: você ia na videolocadora e tinha ‘ação’, ‘comédia’, ‘terror’ e ‘brasileiro’. A gente começou a entrar em outros gêneros e agora a gente tá fazendo super-herói. Mas daqui a pouco vai estar fazendo ficção científica e tudo mais. Acho que tem a ver com a maturidade do nosso cinema, do nosso espectador e da Iafa [Britz, produtora] de comprar esse projeto.”
Outro diferencial do projeto em relação aos colegas hollywoodianos tem nome e sobrenome: Laerte Coutinho.
Laerte ao resgate
Considerada – com razão – uma das grandes mentes artísticas do Brasil, a cartunista Laerte desenvolveu Overman como uma sátira aos super-heróis dos quadrinhos. Para o filme, a equipe focou em trazer os personagens das publicações e, especialmente, conversar com o DNA da autora original. Apesar de não ter participado da construção da história, Laerte aprovou o projeto desde o início:
“Falamos sobre o que a gente queria fazer, perguntamos sobre a origem dos personagens e tudo, depois mandamos o roteiro para ela. Ela mandou um axé dizendo que gostou do roteiro, então a gente ficou mais tranquilo de seguir adiante”, relembra Tomás Portella.
O cineasta explica que houve muita preocupação em manter “o clima e os personagens”. Porém, a história é inédita e não foge do desafio de atualizar esse universo para o presente. “O mais trabalhoso foi adaptar, porque a tirinha é do fim dos anos 1990 e início dos 2000 e tem muita coisa que hoje já não cabe e não faz sentido, nem para a própria Laerte. Essa parte foi mais complexa.”
Para encontrar o “Overman de 2023”, o diretor contou com um aliado de peso: Caco Ciocler. Ator veterano de grandes novelas, séries e filmes brasileiros, o astro encarregado de interpretar o herói à brasileira elogiou o caráter colaborativo do diretor:
“O Tomás é um diretor muito generoso e inteligente, no sentido de entender de verdade que, ou ele abria uma coautoria desses personagens para os atores, ou a coisa não daria certo. No cinema, nunca tinha trabalhado com alguém tão inteligente nesse sentido, de falar ‘vai aí, vocês conhecem esses personagens melhor do que eu.’”
Ciocler também elogiou que, apesar de ter uma bagagem imensa por ser alguém “que já passeou por muitos lugares e sabe tudo de cinema”, o diretor dá uma liberdade gigantesca para a equipe. Essa questão impressionou o ator antes mesmo das gravações, quando Portella usava as leituras do elenco para corrigir possíveis problemas no roteiro ao invés de ditar como os personagens deveriam soar ou se portar.
E o Overman não está sozinho. Intérprete da inusitada heroína Mulher-Cachorro, Karina Ramil descreve a experiência como preencher um esboço que estava pronto desde o roteiro. Segundo a atriz, parte do trabalho para encontrar a personagem foi físico. “Fiz bastante aula de circo para fazer essa personagem, os movimentos e tudo.”
Curiosamente, o fator colaborativo também marcou Marina Provenzzano, intérprete da vilã Pane. A atriz explicou que aprendeu muito sobre a própria personagem ao observar e conversar com os colegas, algo que a marcou desde o primeiro dia:
“Eu cheguei e eles já estavam há dias fazendo, então pensei ‘caraca, até onde eu posso ir?’. Então a Karina falou ‘amiga, se joga! Se não, seremos só um bando de gente louca fantasiada’.”
O herói errado para a hora certa
O NerdBunker acompanhou as gravações de uma cena de Overman que, por motivos óbvios, não podemos falar sobre para evitar spoilers. Porém, algo que chamou a atenção foi o uso de efeitos especiais, algo exaltado por todos os entrevistados.
“Foi o trabalho que fiz, até hoje, com mais efeitos especiais, detalhes e coisas que a gente nem imagina”, afirma Karina Ramil. “Essa coisa dos efeitos visuais, que permitem à gente essa fantasia louca, vai dar um brilho todo especial”.
O diretor Tomás Portella exaltou que Overman tem muitos efeitos práticos – aqueles feitos ao vivo durante as gravações – e também visuais – como computação gráfica. Segundo ele, não houve uma busca por “virtuose”, mas foi necessário para o que o filme fosse distinto em relação a lutas e voos. O último quesito, em especial, deixou um gosto agridoce na boca de Caco Ciocler.
Para viver o Overman, e voar pela primeira vez na carreira, o ator disse que chegou a fazer um treinamento técnico de voo. Apesar de toda a empolgação, a experiência ficou marcada também por um grau de decepção:
“Você fala ‘vou voar’, mas nunca me senti tão preso. É bizarro vestir um negócio que te aperta inteiro – inclusive as partes baixas. Você não tem autonomia, então voar foi a maior experiência de prisão que eu já tive… Mas é divertido.”
Toda essa estrutura existe para que que Overman não faça feio perante aos grandes blockbusters de super-heróis com os quais o público está acostumado. Porém, o diretor quer que o projeto seja mais do que um repeteco de outros filmes do gênero:
“Ele não tem mito de origem, que é uma coisa muito super-herói. Ele não viu Krypton explodir, os pais morrerem ou foi picado por uma aranha… Então ele tem uma crise existencial quanto a ser herói, porque ele simplesmente sempre cumpriu esse papel. Ele não tem nem identidade secreta, então falta sentido a ele.”
Para o azar do Overman, a falta de sentido não é o único obstáculo de sua jornada. Afinal de contas, ao contrário de Clark Kents e Peter Parkers, ele precisa lidar com problemas tipicamente brasileiros:
“É um personagem que sofre as dificuldades de quem mora no Brasil. É um super-herói desempregado, com questões existenciais, problemas com bebida e jogo… Ele é todo errado e uma das belezas dele está nessa coisa de ser errado.”
Mas, como a gente sabe, o Brasil também confere habilidades únicas a quem nasce por aqui. No caso do Overman, está a invulnerabilidade às greves, que tomam conta de Hollywood enquanto as grandes produtoras se recusam a fazer acordos justos com roteiristas e atores:
“A gente tá com o único super-herói em atividade no planeta, porque nenhum outro está filmando no mundo. E não é porque o Overman é fura-greve, é porque ele é desempregado, ele não tem sindicato. Ele precisa pagar os boletos (risos).”
O filme de Overman não tem data de estreia definida. Fique de olho no NerdBunker para mais novidades.
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Texto feito por Gabriel Avila em colaboração com Priscila Ganiko, que visitou o set do filme.