Logo na abertura, Asteroid City demonstra ser um pouco diferente do que se espera. O novo filme de Wes Anderson tem uma camada extra. A trama sobre o peculiar cotidiano de uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos é, na verdade, uma peça de teatro desenvolvida por um incansável autor. Os personagens, carismáticos e esquisitos como sempre, são atores. A ilusão é desfeita por um apresentador misterioso (vivido por Bryan Cranston), que guia o espectador pelos bastidores da criação.
Chamar a atenção aos bastidores não desfaz a magia tão presente nos filmes do cineasta. Muito pelo contrário, serve para estender a mão ao público, convidando-os a participar da brincadeira e da encenação. É a partir disso que Anderson cria um universo fantasioso, melancólico e colorido, com o objetivo de refletir e questionar: por que somos tão atraídos pela ficção?
Vidas no deserto
A trama — do filme e da peça teatral dentro do filme — gira em torno de Augie (Jason Schwartzman) e seus filhos. Emocionalmente distante, ele leva o garoto Woodrow (Jake Ryan) e suas três irmãs pequenas até Asteroid City, para o jovem participar de um concurso de astrônomos mirins na cidade interiorana no meio do nada, cuja maior atração é uma antiga cratera da colisão de um meteorito.
Augie está escondendo dos filhos o fato de que a mãe da família morreu há três semanas, e que planeja deixar as crianças com o avô ricaço, Stanley Zak (Tom Hanks). Antes que pudesse propriamente se explicar, a cidade é visitada por um alienígena e a família se vê presa em Asteroid City, junto com uma famosa atriz de cinema, uma professora com sua turma de alunos em excursão, um grupo de cowboys e outras figuras do tipo.
O longa é marcado por duas das maiores forças das obras de Wes Anderson: o domínio da câmera pela cineasta, e personagens excêntricos vividos por um elenco de alto nível.
Aqui, seguindo a temática de mostrar o funcionamento de sua máquina de sonhos, o diretor chama atenção aos movimentos, passeando com a câmera pelo cenário de forma que estabeleça o ambiente de forma compreensiva. Repleta de piadas visuais e momentos divertidos, a fotografia apenas reforça que a ideia de que tudo é uma brincadeira, um faz-de-conta para os espectadores e personagens ali presentes.
O que complementa o esmero visual de Anderson é o comprometimento de todos os atores envolvidos, que ganham a possibilidade de viver pessoas esquisitas, cheias de peculiaridades, mas visivelmente em busca de algo a mais em suas vidas. Dentre uma enorme lista de estrelas, Jason Schwartzman e Scarlett Johansson se destacam, vivendo dois estranhos que descobrem certa afinidade nas próprias indiferenças emocionais. Ele, um pai questionando como continuar a viver. Ela, uma atriz renomada chamada Midge Campbell que parece ter visto de tudo, sem se empolgar com mais nada.
Por baixo de toda a excentricidade dos personagens, há o desejo de entender um mundo em constante mudança — seja no âmbito pessoal, como é o caso de Augie, ou então em uma escala maior, como desejam Midge, Woodrow e vários outros.
A trama é ambientada em 1955, com a paranoia da Guerra Fria de pano de fundo, logo não faltam tensões e emoções a serem vividas até na cidade pequena. O general Gibson (Jeffrey Wright), que supervisiona a competição de jovens astrônomos e a eventual quarentena, chega até a brincar, durante um discurso: “Se você queria viver uma vida boa, calma e pacífica, escolheu a época errada para nascer”.
Mas mesmo em um mundo caótico, em constante mudança, todos de Asteroid City ainda desejam algo a mais, como uma realidade repleta de significado e senso de pertencimento. E esse é o sentimento universal que reúne a trama da cidade interiorana, a peça fictícia e o espectador na sala de cinema.
Por trás das cortinas
Fora do deserto saturado, cheio de vibrantes cores pastéis, o filme apresenta o processo criativo de Conrad Earp (Edward Norton), o autor da peça que viria a ser conhecida como Asteroid City. Isolado, ele luta para desenvolver seus personagens e, acima de tudo, amarrar as várias pontas de uma história marcada por um pai em luto, alienígenas e um caso com uma famosa atriz de cinema.
Vemos Earp encontrando os atores que viverão seus personagens, dando palestras sobre a escrita, e também um vislumbre de como são os bastidores do teatro em que a peça se desenrola. Na correria da produção artística, pairam questionamentos sobre motivações. O que leva, em determinado momento, Augie a colocar sua mão numa panela quente? Como tornar uma cena de despedida mais impactante? O que representam os alienígenas nesse conto sobre paranoia?
Asteroid City — como filme e peça fictícia — não está tão interessado em responder tudo isso. Na real, o argumento todo é de que as respostas são secundárias. O que interessa mesmo é a busca. “Você não pode acordar se não pegar no sono”, afirma o ator que interpreta Augie, em determinado momento. Tudo que importa é se permitir viver a ficção para se encontrar no mundo real.
O cinema é construído da inquietação, do realizador e do espectador. A partir dessa curiosidade mútua que universo fictícios se tornam tão fascinantes, vívidos e sensíveis. As experiências vividas na tela carregam tanto peso quanto as da realidade. Asteroid City é um agradável lembrete disso, transportando o público para um mundo fantástico e entregando uma boa dose de otimismo para encarar o que lhes aguarda fora da sala de cinema. Se tudo der errado, pelo menos há um lugar seguro para retornar, sentar no escuro e pensar por algumas horas.
Asteroid City chega aos cinemas brasileiros em 10 de agosto.