The First Slam Dunk é um projeto arriscado desde a concepção. Afinal de contas, parece contraintuitivo produzir um filme cuja história conclui um anime que chegou ao fim há mais de 25 anos — sem atingir a merecida popularidade desde então. Porém, sob o comando de Takehiko Inoue, criador da obra original, o longa vai além de um resgate nostálgico e transforma riscos em triunfo, trazendo de volta esse universo em uma das melhores animações dos últimos anos.
Antes de mais nada, é preciso explicar um pouco do fenômeno Slam Dunk. Esse é um mangá de basquete que fez sucesso ao ponto de aumentar o interesse dos jovens japoneses pelo esporte, na década de 1990. Apesar de não ter explodido como algumas de seus contemporâneas, a obra se tornou marcante ao ponto de superar títulos como Dragon Ball e Naruto em uma votação de “melhores mangás” organizada pela emissora japonesa TV Asahi, em 2021.
Acontece que o anime de Slam Dunk chegou ao fim em 1996, o mesmo ano em que o mangá foi encerrado. Com isso, o arco final da publicação acabou de fora da adaptação. Essa parte da história só chega a outra mídia agora, com The First Slam Dunk. Mas a produção ficou a cargo do criador do mangá original, que não estava interessado em simplesmente mergulhar em nostalgia. Pelo contrário, a produção aproveita a oportunidade para trazer de volta a magia e explicar na prática o que tornou essa história tão memorável.
Takehiko Inoue ficou responsável pelo roteiro e direção do filme. Mais do que transportar o fim do mangá para outra mídia, ele aproveitou a oportunidade para criar uma história inédita capaz de ser o fio condutor da produção. Com isso, o longa deixa de ser meramente o desfecho de outra história e ganha vida própria.
De volta às quadras
Tanto o mangá quanto o anime de Slam Dunk contam a história de Hanamichi Sakuragi, um rapaz encrenqueiro que entra para o time de basquete da escola Shohoku para impressionar uma garota. Porém, ele acaba pegando gosto pelo esporte e se junta aos colegas na busca por melhorar e levar a equipe em busca de vitórias e glórias.
Em The First Slam Dunk, Sakuragi dá lugar a Ryota Miyagi, membro do Shohoku e coadjuvante da obra original. O novo filme volta seus holofotes ao jovem em uma história inédita que investiga de onde surgiu seu amor pelo basquete e a motivação para nunca desistir — duas das características mais marcantes nos heróis desse universo. Essa atenção destaca dramas inéditos, que passam por temas como luto e solidão, aprofundando um personagem que sempre esteve ali.
É possível dizer que o filme se divide entre narrar o grande jogo e contar a história de um de seus jogadores, mas “divisão” não é a palavra correta. A produção se esforça para entrelaçar as duas linhas de forma que uma impacte a outra. Enquanto o drama de Miyagi ajuda a colocar em perspectiva a importância do jogo para os protagonistas, a partida é a concretização do sonho que fez com que eles superassem tudo para chegar até ali.
De volta ao comando da história desses personagens, Takehiko Inoue monta o quebra-cabeças aos poucos e se sai muito bem ao costurar o novo e o antigo. Na direção, ele usa as ferramentas disponíveis nessa nova mídia para capturar o público e transportar o espectador para as arquibancadas da quadra. Mais do que explicar a importância da partida, ele é hábil ao fazer sentir.
Visualmente, The First Slam Dunk contava com a difícil tarefa de adaptar o traço realista de Inoue para as telas. Responsável pela animação, o Dandelion Animation proporcionou um verdadeiro espetáculo visual que mistura computação gráfica e animação 2D. No lado esportivo, essa técnica permitiu uma captura de movimento que deixa as partidas mais fluidas e realistas. Porém, o encanto vai além das quadras, ao criar cenários quase paradisíacos que preenchem as passagens contemplativas da produção.
Um trabalho que merece aplausos, especialmente pela confiança que Inoue deposita no aspecto visual. Mesmo recorrendo a diálogos expositivos para preencher algumas lacunas, o cineasta confia mais em mostrar do que em falar, o que faz com que os altos e baixos emocionais do protagonista e seus aliados alcancem o público em um nível emocional.
Apesar do foco em Ryota Miyagi, o filme de Slam Dunk não se esquece dos outros personagens. Mesmo sem dispor de tempo para aprofundá-los, o longa reserva espaço para desenvolver personalidades, motivações e temores. Afinal de contas, se o basquete é um esporte coletivo, nada mais justo que o time todo sue a camisa.
Toda essa construção é fundamental para que The First Slam Dunk repita o feito do mangá e faça com que o jogo envolva o espectador ao ponto de borrar a linha entre ficção e realidade — não estranhe se você se pegar torcendo para que uma cesta entre ou lamentando um lance malsucedido.
O sucesso do filme em provocar essa reação causa um curioso efeito que torna The Final Slam Dunk um novo auge para a franquia. Afinal de contas, o longa replica com louvor e beleza as várias emoções do grande clímax da publicação, com o diferencial de fazê-lo em uma sala de cinema. A experiência coletiva dá uma camada extra de emoção que potencializa os momentos de catarse, completando o ciclo de uma obra ficcional baseada em dramatizar a emoção de acompanhar um esporte na vida real.
Mais de 25 anos após deixar as quadras, o time de Shohoku retorna em grande estilo em um momento muito oportuno. Indo na contramão de reboots e remakes produzidos para lucrar com a nostalgia de grandes franquias, o filme de Slam Dunk honra a filosofia da obra e combina talento e determinação para triunfar. No fim do jogo, quem venceu foi o público.
The First Slam Dunk está em cartaz nos cinemas brasileiros.