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Belas Maldições 2 é um adorável e desconjuntado conto de amor | Crítica

Com suas principais obras sendo adaptadas para a TV, Neil Gaiman passa por um momento importante em sua carreira. O autor britânico é conhecido por romances macabros, fantasiosos e doces. Em 1990, juntou esses talentos à mente curiosa e sarcástica de Terry Pratchett (Discworld), para criar o que viria a ser Good Omens (ou Belas Maldições, como é conhecido no Brasil).

Na televisão, o livro da dupla virou série de TV pelo Amazon Prime Video, em 2019, adaptando fielmente a trama de um anjo e um demônio em busca do filho de Satã, para impedir o iminente fim do mundo. Agora, quatro anos depois e sem a ajuda de Pratchett, que faleceu em 2015, Gaiman expande esse universo com Belas Maldições 2, uma continuação que soa como presente quentinho para os fãs mesmo deixando a desejar em alguns aspectos.

Nessa nova temporada, o demônio Crowley (David Tennant) e o anjo Aziraphale (Michael Sheen) precisam lidar com uma nova crise: o desaparecimento do arcanjo Gabriel (Jon Hamm). Após o poderoso anjo aparecer na livraria de Aziraphale, sem roupas e nem memória, a dupla passa a investigar a bizarra ocorrência, que pode acabar resultando em uma nova guerra entre o Céu e o Inferno. Essa é a sinopse, mas não o foco.

O problema do arcanjo serve apenas para colocar a trama nos trilhos, mas o interesse dos episódios inéditos é explorar a relação entre Crowley e Aziraphale. A dinâmica entre anjo e demônio, ora opostos, ora similares, é motivo de fascínio no livro original e na adaptação televisiva, e aqui se prova digna de tomar os holofotes. A cena de abertura, em que os dois se conhecem frente à criação do universo, traz à mente outro momento de uma série britânica do Prime Video: “Isso é uma história de amor”, como esclareceria uma Fleabag de nariz ensanguentado.

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Ótima química entre os atores principais é um dos maiores acertos de Good Omens 2 [Créditos: Divulgação]

A intensa química entre ambos não é de hoje, impulsionada ainda mais pela excelente relação que David Tennant e Michael Sheen têm até fora das telas, mas enfim é amplamente reconhecida pelo seriado. A jornada é empolgante, de ver anjo e demônio percebendo gradualmente o enorme carinho, confiança e apoio que nutrem um pelo outro, expressados em olhares sensíveis, sentimentos confusos e atos heróicos.

Em flashbacks de diversas situações cabeludas que enfrentaram juntos, a temporada questiona: há espaço para o amor entre seres de crenças, visões e práticas tão diferentes? Será que anjos e demônios são tão diferentes assim, afinal? Como mostram os episódios, tanto o Céu quanto o Inferno desse universo são capazes de ações horrendas e atos de ternura. Logo, se há tantas semelhanças, há problemas em não acatar aos dogmas em prol de ajudar alguém amado?

Essa abordagem mais romântica justifica facilmente uma expansão à obra original. É uma pegada que soa autêntica ao estilo e interesses de Neil Gaiman como autor, ao mesmo tempo que serve bem a enorme horda de fãs que sonham com o casal de protagonistas há anos. Poucas obras consegue conciliar o desejo do público e dos criadores tão bem assim, mas isso não significa que a segunda temporada não tenha tropeços.

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Ainda que seja adorável ver como o amor entre Crowley e Aziraphale foi nutrido ao longo dos séculos, os inúmeros flashbacks acabam criando um ritmo confuso para a trama, que vai e volta a todo momento. Os demais arcos, que exploram intrigas burocráticas no Céu e no Inferno, ou então um possível romance entre uma barrista e a dona de uma loja de discos, não ajudam a tirar a sensação de uma temporada narrativamente desconjuntada.

Mesmo o conflito central do arcanjo Gabriel é pouco utilizado, apesar de se mostrar muito intrigante com um ótimo desfecho. Muito disso se dá pela falta da voz de Terry Pratchett, ainda que ele não tenha trabalhado diretamente na primeira temporada. O autor complementava a doçura fúnebre de Neil Gaiman com acidez, o que consagrou a obra original como fantástica e irônica em medidas iguais. Ainda que seja uma temporada digna de suceder a trama original, é possível sentir que algo importante está faltando.

Felizmente, muitos dos deslizes de Belas Maldições 2 são perdoados pelo enorme comprometimento de todos os envolvidos. Gaiman, que assina todos os roteiros, dá o seu melhor para honrar o que criou ao lado do falecido amigo, entregando diálogos simultaneamente bem humorados e sensíveis. Mas é o elenco que faz a série valer a pena.

Além de David Tennant e Michael Sheen, Jon Hamm é um dos destaques de Good Omens 2 [Créditos: Divulgação]

David Tennant e Michael Sheen nunca estiveram tão bem juntos. No hiato entre as temporadas, a dupla afinou seu timing cômico em Staged, websérie da BBC que trazia ambos os atores surtando via Zoom durante o isolamento da pandemia. Essa maior proximidade transparece na nova temporada, trazendo muita verdade ao anjo e demônio que são melhores amigos apesar de constantemente se tirarem do sério.

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O arco de Gabriel pode até não ser devidamente valorizado, mas a atuação de Jon Hamm rouba a cena em todo momento que está em tela. Marcado eternamente pelo intenso canalha genial que era Don Draper em Mad Men, muita gente esquece o seu enorme talento para comédia. A série resgata isso e lhe dá a oportunidade de ser absolutamente bobo e carismático ao interpretar o arcanjo com amnésia, uma verdadeira mudança de rumo em relação ao seu mais renomado papel.

Belas Maldições 2 é uma sucessora de respeito, que busca explorar o coração da trama original em meio à ameaças de apocalipse e burocráticas organizações celestiais. A temporada até peca pelo excesso de tramas — talvez uma tentativa de se mostrar tão caótica quanto a antecessora —, mas não chega a atrapalhar o trabalho de um elenco talentoso, de um roteiro genuíno e de um conto verdadeiramente adorável.

As duas temporadas de Belas Maldições estão disponíveis no catálogo do Amazon Prime Video.

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