A animação Avatar: A Lenda de Aang é especial. Não só pelo ponto de vista dos fãs, mas também de Hollywood, que sonha em trazer essa história para o live-action há quase 20 anos. Após um filme desastroso em 2010, é a vez da série Avatar: O Último Mestre do Ar, da Netflix, aceitar a missão e cumpri-la, mas sem muito brilho.

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A trama conta a história de Aang (Gordon Cormier), um garoto que desperta após cem anos, período em que o mundo sucumbiu a uma guerra iniciada pela tirânica Nação do Fogo. Com a ajuda dos irmãos Katara (Kiawentiio) e Sokka (Ian Ousley), ele precisa aprender a controlar os quatro elementos – água, fogo, terra e ar – para se tornar o Avatar e restaurar a paz.

Há muitas formas de errar na transposição das animações para os live-actions – o desastroso filme O Último Mestre do Ar (2010) que o diga. Afinal de contas, adaptações são necessárias por se tratar de mídias diferentes voltadas para públicos distintos. A resposta encontrada pela equipe responsável pela nova série foi buscar uma fidelidade extrema no quesito visual e tornar a história mais séria para que não seja limitada ao rótulo de “infantil”.

Em nível superficial, a primeira temporada de Avatar: O Último Mestre do Ar segue a animação com pequenas alterações. Fora o corte de tramas que não se encaixam na grande narrativa e a aglutinação de diferentes enredos em um só, a produção mantém o selo de fidelidade que tanto almeja. Porém, a questão não é só o que se conta, mas como se conta.

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A decisão de tornar a aventura mais séria, com foco maior na gravidade da guerra em andamento deixa o tom mais sombrio. Isso, por si só não é um problema, e até ainda ajuda a criar o senso de urgência na jornada dos nossos heróis.

A produção acerta ao estabelecer o que está em jogo mostrando como esse mundo, repleto de maravilhas, foi castigado pela guerra. Essa linha narrativa alimenta a ameaça representada pela Nação do Fogo e, de quebra, torna clara a importância de Aang no grande esquema das coisas.

O problema dessa abordagem é que os roteiristas não encontraram uma forma de balancear essa gravidade com o fato de que seus protagonistas são jovens em formação. Parte do carisma da obra original está no fato de que o ser mais poderoso e importante dessa geração é um garoto de 12 anos, que precisa amadurecer enquanto se torna a força capaz de trazer paz ao mundo.

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Com isso, é como se o Aang do live-action perdesse parte fundamental de sua caracterização ao receber poucas permissões para ser uma criança. Há momentos pontuais em que ele aparece brincando e se divertindo, mas os outros aspectos do comportamento “infantil” – como imaturidade, ciúmes e afins, presentes na animação – são ignorados.

É uma pena, já que o ator Gordon Cormier é um poço de carisma, que brilha não só nas cenas dramáticas e de ação, mas também nos momentos de leveza. Com a idade, o entusiasmo e o talento certos para o papel, chega a soar comoum desperdício que o garoto se dedique mais a monólogos sobre falhas e responsabilidades, do que em ser uma criança.

Essa questão também é refletida em Katara e Sokka, personagens que parecem versões diluídas dos originais, graças a arcos que retiram partes importantes de seus amadurecimentos. É como se eles fossem adultos formados, que meramente precisam melhorar suas habilidades de combate. Uma pobreza narrativa parcialmente contornada pelas certeiras escalações de Kiawentiio e Ian Ousley, que trazem graça e carisma à dupla.

Levando tudo isso em conta, não chega a ser surpresa que, quem se sai melhor é o jovem Príncipe Zuko, mesmo pertencendo à mesma faixa de idade dos demais. Com o papel de antagonista, o personagem tem a chance de aprender e evoluir ao confrontar os próprios defeitos e enganos. Uma tarefa conduzida com perfeição pelo ator Dallas Liu, que cumpriu o desafio de interpretar um personagem que poderia facilmente cair na caricatura.

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Tal desafio é ainda maior, considerando que ele é o que mais interage com adultos como o Tio Iroh (Paul Sun-Hyung Lee), o Senhor de Fogo Ozai (Daniel Dae Kim) e o Comandante Zhao (Ken Leung). Trio que, aliás, se torna outro dos pontos altos do elenco ao mostrar também como opera a tão temida Nação do Fogo nos bastidores.

Lúdica apenas no visual

Se a narrativa oscila, ao menos a parte visual é mais sólida. O apuro técnico fica claro logo nos primeiros minutos, em que acontece uma perseguição entre dobradores – nome dado às pessoas capazes de manipular elementos – de fogo e terra. O cuidado na recriação de cenários, figurinos e, especialmente, no uso das habilidades, é palpável e se torna um belo cartão de visitas do capricho visual apresentado na primeira temporada.

Ao longo dos oito episódios, a produção nunca perde de vista que a exploração desse mundo e suas particularidades é um dos grandes charmes da obra original e recria seus elementos com uma perfeição detalhista. Algo que salta aos olhos também na forma como dá vida a criaturas fantásticas e, especialmente, executa as dobras dos elementos em combates grandiosos e empolgantes.

Por outro lado, há um estranhamento causado pela dificuldade em transmitir a passagem do tempo. Uma parte importante da mitologia de Avatar é a forma como as culturas e tradições remontam a tempos antigos. São vários os momentos em que o presente faz uma pausa para que lendas sejam compartilhadas e forneçam respostas para a jornada de Aang e seus amigos.

Acontece que, visualmente, o novo live-action não traduz essa longevidade, pois tudo parece novinho em folha. As marcas do tempo, tão valorizadas pelo texto, escapam de figurinos e cenários que parecem saídos diretamente da fábrica. E sim, sabemos que foi exatamente o que aconteceu no mundo real, figurinos e cenários foram construídos para a série. Porém, a escolha trai a longa passagem de tempo que a narrativa valoriza tanto.

Mais do que um detalhe, essa é outra fissura que tira o brilho de Avatar: O Último Mestre do Ar. Almejando fidelidade ao amado material original, a produção se contenta em ficar no nível superficial, mesmo tendo todas as ferramentas para mergulhar de cabeça nas possibilidades da grande história que tem nas mãos.

Por um lado, a série é competente e faz bem o que se propõe, sendo uma aventura divertida mesmo em seus momentos menos inspirados, especialmente graças à forma como honra a escala grandiosa dessa aventura. Por outro, apresenta uma versão que deixa claro que poderia ter ido além e realizado o potencial que demonstrou ao longo da temporada.

O mundo de Aang esperou cem anos para reencontrar o Avatar. Resta ao público aguardar a série dominar os próprios defeitos para trazer paz ao coração dos fãs menos convencidos.

A primeira temporada da série live-action Avatar: O Último Mestre do Ar está disponível na Netflix. O streaming também conta com a animação original e o filme O Último Mestre do Ar em seu catálogo. Fique de olho no NerdBunker para mais novidades e aproveite para conhecer todas as nossas redes sociais, entrar em nosso grupo do Telegram e mais – acesse e confira.