“Sou grata por todas as palavras que compartilhamos”. Essa é uma das minhas frases favoritas do Final Fantasy VII original e que, para mim, é a que melhor representa um dos temas mais fortes da história do jogo: a amizade (improvável) do grupo principal.
Final Fantasy VII Rebirth recaptura essa essência, mas é um capítulo ousado que, além de dar continuidade a Final Fantasy VII Remake, expande a fórmula do antecessor e amplia as possibilidades da saga FFVII como um todo.
Curiosamente, o novo jogo da Square Enix é uma sequência ambiciosa de maneiras tanto positivas quanto negativas, tanto em narrativa quanto em jogabilidade. Mas, seja como for, é unânime que entrega uma experiência que balança os sentimentos dos fãs.
Renascimentos
Final Fantasy VII Rebirth retoma os acontecimentos finais de Remake, em que Cloud, Tifa, Barret, Aerith e Red XIII fogem de Midgar e finalmente podem explorar outras regiões em busca de pistas do paradeiro do vilão Sephiroth.
Esse é o pontapé inicial para uma sequência que é bem delineada em arcos separados, com o ritmo ditado pelo jogador.
Desde o início, a história de Rebirth é claramente uma “amarra” entre os outros jogos da trilogia — afinal, é o ‘meio’ da jornada e serve como elo entre introdução e desfecho. Por isso, está longe de funcionar como algo isolado.
A proposta, no entanto, é a mesma do antecessor. A base da trama é a fidelidade ao original, mas faz jus ao “renascimento” do título, com mexidas, reinterpretações e surpresas ao longo do caminho. Isso resulta em uma experiência nostálgica, mas com toque próprio e cheio de camadas, além de ter a clara intenção de querer provocar as teorias (e os corações) dos fãs.
O jogo também acerta em elementos narrativos pontuais, como a expansão do date em Gold Saucer, o reencontro entre Barret e Dyne e a presença de Cait Sith. Esse último, por exemplo, sempre foi um personagem que ficou de escanteio no original e finalmente ganha espaço, com mais presença e um imenso carisma que gera empatia.
Rebirth ainda apresenta bom equilíbrio entre ação e momentos contemplativos ou carregados de diálogo. O jogo sabe quando é hora de dar um respiro na pancadaria e introduzir sequências “calmas”, mas que não deixam de ter importância narrativa. O mesmo pode ser dito sobre o tom bem-humorado na trama. Há cenas engraçadas e descontraídas que adicionam leveza à experiência, algo que faz parte da essência não só de Final Fantasy VII, mas de toda a franquia.
Admiráveis mundos novos
A sequência introduz uma versão própria e moderna do clássico World Map, que consiste em vários mundos semiabertos interligados, com foco em exploração livre.
Cada região corresponde a um arco ligado à história e apresenta uma área única — só que apenas em aparência. Todo o conteúdo opcional dos mapas tem uma forte pegada de “mundo aberto”, com os mesmos pontos de interesse: torres que mapeiam a área, lutas contra mini chefes, santuários de Summons, nascentes de fonte vital e por aí vai.
A ausência de conteúdo variado gera uma sensação de repetitividade ao explorar. Essa reciclagem em todo mapa faz com que o jogador saiba o que esperar de uma região antes mesmo de desbloqueá-la, o que torna a exploração cansativa e automática com o tempo.
Chadley, o garotinho analista da Shinra do Remake, ainda é quem direciona o jogador para esses pontos de interesse — e consegue ser extremamente inconveniente na tarefa. Isso porque, toda vez que algo é encontrado ou concluído, ele interrompe com diálogos desnecessários que quebram o ritmo. É algo que, a longo prazo, começa a esgotar a paciência pela repetição exagerada.
Indo além do conteúdo, cada região tem visual e level design próprios, com pontos fortes e fracos diferentes. Os destaques, por exemplo, ficam para a árida Cosmo Canyon, a multifacetada Corel e a lindíssima The Forgotten Capital. O ponto fraco, de longe, é Gongaga que, com uma estrutura confusa de exploração vertical que dificulta (e muito) na caçada dos pontos de interesse, dá um sentimento de fadiga ao ato de explorar.
Os pontos de interesse dos mapas, no entanto, não representam todo o conteúdo opcional. Rebirth leva a sério a ideia de entregar mais horas de diversão e, para isso, aposta numa quantidade assustadora de minigames. Há a reinvenção de Fort Condor, pega-pega com Moogles, tiro ao alvo, retorno da academia, tiroteio espacial, boxe e até futebol com o Red XIII. Tudo gera momentos divertidíssimos e descontraídos, o que conversa com a essência de Final Fantasy VII e aprofunda mais os laços entre os personagens.
Um destaque surpresa é o cardgame Queen’s Blood, que é mais do que parece. Além de viciar na conquista de cartas raras, há mistérios por trás do criador do jogo e resta a Cloud derrotar vários adversários até descobrir a verdade. A mecânica de piano também é cativante por funcionar como um Guitar Hero, no qual o jogador pode tocar músicas clássicas como os temas de Tifa e Aerith.
Novo jogo, mesma jogabilidade?
Com um sistema de combate em tempo real e toque estratégico, a jogabilidade mantém o que deu certo no Remake e expande os comandos dos personagens, com base na ideia de aprofundar laços entre eles.
Os Fólios, por exemplo, são árvores de habilidades com golpes e melhorias para cada personagem, além da principal novidade: as ações de sinergia. Elas são basicamente um “Limit Break” cooperativo mais frequente, em que dois personagens se juntam para executar um ataque ou um buff (ou seja, se fortalecerem no meio da luta).
Dessa maneira, o combate é expandido de forma surpreendente e melhora a dinâmica entre os comandos do grupo. Pensar em como executar ataques seguidos e quebrar a defesa dos inimigos para atordoá-los nunca foi tão divertido — e confesso que é estranhamente satisfatório vê-los descendo a porrada juntos!
Outras novidades são personagens jogáveis inéditos. Red XIII se torna uma das melhores opções para causar dano direto a curta distância, se assemelhando a Tifa, com golpes que também podem oferecer cura a ele e aliados. E Yuffie não se distancia do que foi apresentado na expansão Intergrade, com a jovem ninja sendo uma excelente lutadora híbrida e de fácil aprendizado.
Já Cait Sith provavelmente é o mais diferentão do grupo, com um nível de complexidade similar à Aerith. O gatuno pode “invocar” um Moogle como ajudante e alterna entre golpes a curta e longa distância. Mas o maior diferencial fica para a habilidade de lançar um dado da sorte, que pode causar danos aleatórios poderosíssimos ou fraquíssimos, adicionando um toque de aleatoriedade ao gameplay.
Vincent e Cid não são jogáveis, mas a presença dos dois é bem marcante em Rebirth — só vou parar por aqui para não entregar spoilers. Algo curioso do combate é que os personagens que estão fora da “party” não desaparecem durante as lutas. Eles ficam a uma distância razoável, ocasionalmente lançando ataques fracos ou palavras de motivação, o que é um detalhe pequeno, mas que intensifica o sentimento de união do grupo.
Em relação à dificuldade, os jogadores que têm familiaridade com Remake vão encontrar uma experiência tranquila em Rebirth. Isso porque, além de mexer com a dinâmica das lutas, os Fólios e as sinergias aumentam as possibilidades e a frequência de ataques poderosos.
Algo negativo é que a dificuldade máxima é travada no Normal na primeira zerada, não sendo possível aumentar o nível de dificuldade para Difícil para quem quer uma experiência mais desafiadora logo de cara. Como uma jogadora com bagagem, senti que isso tirou parte do charme das lutas, pois não exigiam tanto quanto poderiam.
A trilha sonora de Rebirth tem cerca de 400 músicas regravadas do original — e o cuidado da Square Enix com as sonoras é perceptível, resultando em novas versões que mexem com o fã. Algumas das melhores variações da franquia estão presentes, com destaque para os temas de Aerith, Jenova e Chocobo.
Cada região apresenta uma trilha diferente que intensifica a ambientação, e as lutas contra chefes têm músicas que estabelecem o clima de urgência e perigo que os momentos exigem. Com isso, toda a experiência é riquíssima sonoramente, algo necessário ao se tratar de Final Fantasy.
Em termos de visual, Rebirth peca na falta de polimento na texturização da aparência de vários personagens e objetos dos cenários, além de ter um jogo esquisito de iluminação. Ao transitar entre áreas com diferentes intensidades de claridade, por exemplo, a luz estoura e afeta a visibilidade por alguns segundos até normalizar. Não é algo que prejudica a experiência como um todo, mas acontece com frequência suficiente para ser notado.
No entanto, o mesmo não pode ser dito sobre alguns problemas de performance. Há bugs que impedem o progresso em conteúdo opcional, além da queda de frames em algumas lutas específicas contra chefões maiores.
Não há recursos ou opções de acessibilidade em Rebirth, mas há localização em português brasileiro para texto, que cumpre o objetivo de traduzir e adaptar bem os termos específicos do universo de Final Fantasy VII.
A adaptação brasileira ainda tem um toque descontraído para combinar com o tom do jogo, com trocadilhos divertidos até mesmo para nomes e apelidos de personagens. Foi difícil não soltar uma risada ao ver o golfinho da Priscilla ser chamado de “Seu Delfinho”, e Bugenhagen de “vovô Buguinho”.
A parte negativa, porém, é que o tom aparece até em momentos sérios e com personagens que não teriam tal descontração — como Cloud constantemente soltando “bora” ou “vambora” —, o que é uma distração desnecessária em algumas cenas.
“É para posterioridade”
Foram mais de 100 horas com Final Fantasy VII Rebirth, que se mostra como uma sequência que não tem medo de expandir os horizontes do antecessor — e da franquia.
Ao optar por uma estrutura menos linear do que Remake, o jogo amplia as possibilidades do jogador, que pode ditar o ritmo da experiência. Se quer se perder na exploração do mundo e minigames, ou só seguir direto para a história, é você quem escolhe.
Com isso em mente, Rebirth acerta em narrativas pontuais, recriações de momentos icônicos e expansão dos papéis de certos personagens, além de conseguir ter uma pegada própria no meio de tudo isso. Mas escorrega na repetição exagerada no conteúdo opcional, que dá um sentimento de fadiga a longo prazo.
Os tropeços não impedem, no entanto, que o jogo seja uma experiência divertidíssima e cativante, que não deixa de ter a dramaticidade que a história precisa. Possivelmente não causa tanto impacto quanto o Remake (já que a espera por ele foi mais de 10 anos), mas definitivamente estabelece o terreno para um desfecho glorioso e entrega algo inesquecível aos fãs — e continuo grata por todas as palavras compartilhadas por Final Fantasy VII.
Essa review foi feita com uma cópia antecipada cedida pela Square Enix.
Final Fantasy VII Rebirth será lançado no dia 29 de fevereiro, sendo exclusivo temporário de PlayStation 5.
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