Em pleno 2024, os filmes da Sony inspirados por personagens do universo das HQs do Homem-Aranha não surpreendem ao fracassar. Com dois Venoms e um Morbius, o estúdio deixou claro que qualidade não é exatamente uma meta. Essa história ganha um novo capítulo com Madame Teia, um desastre detalhadamente anunciado, mas que espanta ao encontrar diversão no absurdo.

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Não é preciso mais que alguns minutos para que o longa mostre exatamente o tipo de experiência que vai proporcionar ao público. Um prólogo define as origens da protagonista, Cassandra Webb (Dakota Johnson), e do vilão, Ezekiel (Tahar Rahim), ligando dons sobrenaturais a uma tribo na Amazônia que venera aranhas. Uma situação ilógica que se desenrola de maneira óbvia, com diálogos mais pobres que as safadas ligações com o Homem-Aranha. E isso, literalmente, é só o começo.

Feita a apresentação, a trama dá um salto de 20 anos no tempo e mostra o cotidiano de Cassandra como uma solitária socorrista de Nova York que passa a ter visões do futuro após sofrer um acidente. Esse dom faz com que seu caminho cruze com os de Julia (Sydney Sweeney), Anya (Isabela Merced) e Mattie (Celeste O’Connor), três garotas cujas vidas estão sendo ameaçadas justamente por Ezekiel, que, claro, também tem poderes.

A partir daí, a produção se concentra em uma espécie de jogo de gato e rato em que, de um lado, há um vilão mal desenvolvido e, do outro, há um grupo de pessoas resumidas a arquétipos por um roteiro que parece não saber o que fazer com elas. Escrito por Matt Sazama e Burk Sharpless (ambos de Morbius) antes de passar pelas mãos de outras pessoas, o texto é risível em praticamente todos os aspectos.

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A história avança em solavancos, com grandes porções de coincidências ou eventos questionáveis, com diálogos carregados de exposição para explicar eventos que não se ligam naturalmente. Questões que se tornam gritantes nos pontos altos que o roteiro havia preparado, que se tornam repetitivos graças à pouca criatividade nos ataques do vilão e na forma como as heroínas se defendem.

Curiosamente, porém, conforme Madame Teia avança, a experiência se transforma. Em meio a tantos momentos inacreditáveis, que se acumulam a cada cena, o enredo encontra um ingrediente raro nesse tipo de produção: a diversão.

Veja bem, não é que acontece uma correção de curso que eventualmente torna o filme bom. Porém, ele se desenvolve demonstrando uma consciência cada vez maior a respeito da fragilidade do texto em que se baseia e investe na galhofa. Em vez de maquiar ou tentar contornar o ridículo com uma seriedade que não convenceria a ninguém, o longa embarca na onda e gera simpatia ao não ter a menor vergonha de se voltar ao absurdo.

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Essa honestidade se apresenta primeiramente na direção de S.J. Clarkson (Jessica Jones; Succession), que percebe as ciladas do melodrama barato do texto e conduz os momentos reservados com uma dose de artificialidade que mantém o tom coeso. Mesmo que não brilhe intensamente, tal característica se mostra competente especialmente nas pancadarias e perseguições, com uma agilidade e dinamismo que ao menos justificam a existência do projeto.

Do outro lado, há o elenco, em especial o time formado por Cassandra e as três jovens que ela toma como protegidas. Com personalidades tão básicas quanto caricatas – a nerd usa óculos, a rebelde dá o dedo gratuitamente a qualquer um… –, as personagens só funcionam graças à entrega das atrizes, o que confere um mínimo de verdade às figuras que precisam encarnar ao longo da rodagem.

Esses ingredientes tornam os caminhos absurdos e inexplicáveis de Madame Teia divertidos de navegar justamente pela forma honesta como a produção o faz. Não há pretensão ou tentativa de enganar o público: o projeto sabe exatamente a patacoada que está criando e se deleita com cada virada. Um forte candidato ao selo “tão ruim que é bom”, dado a produções que entretém justamente pela falta de qualidade.

A essa altura do campeonato, a má qualidade do filme parece não ser sequer surpresa, dado o retrospecto desses longas baseados em vilões e coadjuvantes do Homem-Aranha. Porém, em um universo de produções que parecem condenadas à mediocridade antes mesmo de nascerem, felizes são aquelas que conseguem ao menos rir dos próprios defeitos em uma experiência que se torna divertida, mesmo que pelos motivos errados.

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Madame Teia está em cartaz nos cinemas do Brasil.