Like a Dragon: Infinite Wealth é um feito histórico. É o alinhamento dos astros fazendo sentido, já que 2024 também é o Ano do Dragão, de acordo com o calendário chinês.
Logo, nada mais justo que no próximo dia 26 os fãs tenham em mãos o jogo que simboliza o fim de uma jornada de 20 anos, e também o início de outra, tão lendária quanto.
O fim, mas também o começo (de verdade agora)
Desde 2020 os fãs da franquia se preparam para isso (mas custam a acreditar): a passagem de tocha entre Kazuma Kiryu, o lendário “Dragão de Dojima”, e Ichiban Kasuga, o “Herói de Yokohama”, o responsável direto pela dissolução dos dois maiores clãs yakuza do Japão.
Anos se passaram, e a ideia pareceu impossível de acontecer, ainda mais com o ressurgimento de Kiryu no derivado The Man who Erased his Name. Porém, quem jogou este último game sabia, mais do que nunca, que o fim estava próximo. E agora, com Infinite Wealth, é bom todo mundo se preparar para a despedida de um dos personagens mais icônicos dos videogames.
Ichiban Kasuga retorna ao papel de protagonista, agora um homem com emprego (temporário), tentando se ajustar aos padrões da sociedade japonesa e com a missão pessoal de se redimir pelos erros do passado. O cara é humildade pura e só quer fazer o bem ao próximo, um ser humano raro de se ver nos dias de hoje.
Só que a gente sabe que, para o dramalhão da franquia funcionar, é preciso que o Ichiban sofra. E sofra muito. Então ele é demitido, acusado de aliciar ex-criminosos para garantir uma vida de lucros ilegais e perde tudo o que conquistou em quatro anos de trabalho honesto, inclusive o título de herói, já que, por conta das fake news, todos acham que ele é só mais um trambiqueiro.
Ao lado dos seus amigos Nanba e Adachi, Ichiban procura por maneiras de limpar seu nome, e com isso se envolve mais uma vez com o Clã Seiryuu – um dos maiores clãs yakuza do Japão após o fim do Tojo e da Aliança Omi, também presentes no jogo anterior. Na maior rasteira que a vida poderia dar em Ichiban, a grande “quest” de limpar seu nome ganhou uma nova “sidequest”: viajar para o Havaí e encontrar a mulher que o abandonou enquanto ainda era um bebê.
E, como todo mundo já sabe, Like a Dragon: Infinite Wealth divide o protagonismo da aventura com Kazuma Kiryu, um agente secreto da Daidoji, que abandonou seu nome e agora é conhecido como Taichi Suzuki (quem jogou Yakuza 5 vai lembrar da alcunha). A missão de Kiryu é encontrar uma mulher que desapareceu recentemente no Havaí. Não preciso nem dizer que essa mulher é a mesma que Ichiban está procurando, né?
Um RPG como poucos
É uma satisfação sem tamanho experimentar as atualizações realizadas nos games do Ryu ga Gotoku Studios, que está sempre criando, inovando e melhorando o que já foi testado no passado. No caso de Infinite Wealth, estamos falando do retorno do estilo RPG de gameplay, que tinha sido utilizado pela primeira vez em Yakuza: Like a Dragon (2020). Não sei se todo mundo sabe disso, mas o primeiro jogo nasceu de uma piada (muito bem feita) de primeiro de abril e que deu certo até demais, forçando o estúdio a apostar na ideia de um RPG de turno para Yakuza, que sempre foi um beat’em up.
E o RPG de turno focado no submundo da máfia japonesa está melhor do que nunca, com mudanças que fizeram toda a diferença. Por exemplo, agora o jogador pode posicionar os personagens no lugar que preferir da tela – de acordo com espaço pré-determinado de movimentação de cada um.
Essa locomoção não toma tempo do turno, ou seja, você pode tentar alocar todos os inimigos numa única linha, fazendo o golpe especial de área funcionar com mais eficiência. Pode também tentar acertar os inimigos pelas costas. Claro que nem todos os adversários vão facilitar a sua vida, e é preciso lembrar que os inimigos podem fazer a mesma coisa no turno deles.
O combate está extremamente ágil, e em alguns momentos é mais satisfatório que o beat’em up do jogo original. No entanto, quando o game quer que você sofra, você vai sofrer. E isso pode acontecer até mesmo numa luta aleatória de mapa – e quase sempre é assim: morremos porque esquecemos de curar alguém importante da party. Não dá para vacilar com esses malditos delinquentes.
O jogo requer bastante grind, aquele lance de ficar juntando experiência lutando com os monstros de alguma área para subir o nível dos personagens. Só que Infinite Wealth também facilita esse processo, e vamos percebendo, quase que por instinto, quando estamos numa área boa para isso. Quando for a hora de evoluir os personagens, você vai evoluir (e muito) cada um deles. Só cuidado para não deixar o jogo fácil demais.
Todo mundo da sua party – mesmo os que não estão na luta – ganham experiência. E, para evitar conflitos desnecessários, aqueles que dificilmente é possível ganhar, o jogo separa os níveis dos inimigos por cores específicas. Quando estamos fortes demais, os inimigos mais fracos podem ser derrotados com a opção “Massacre”, que automatiza a luta numa animação especial com zero risco para o jogador – a experiência adquirida nesse tipo de combate varia de luta para luta, e a redução de ganhos pode chegar a 50% em casos especiais, mas na grande maioria dos casos ela chega a, no máximo 10% de uma luta normal. É quase jogar no modo easy (mas, nesse caso, foi porque você ficou forte demais e mereceu).
Infinite Wealth também continua com o sistema de jobs (profissões) que são designadas aos personagens. Praticamente todas as profissões do jogo anterior retornaram, e novas foram adicionadas: pistoleiro, samurai, kunoichi, gangster, surfista, geodançarina, mas algumas são exclusivas aos personagens: taxista (Tomi), Sujimancer (Ichiban) e Dragão de Dojima (Kiryu), por exemplo.
No caso de Kiryu, como já era de se esperar, o personagem mais forte da história da franquia é responsável por quebrar completamente o sistema do jogo com um de seus especiais (adquirido no final do game): o modo Despertar de Kiryu leva o beat’em up dos jogos clássicos a um turno de ação do personagem completamente apelativo. É lindo mesmo.
Novos personagens
A extensa lista de personagens, suas histórias pessoais e ligações dentro do mundo de Like a Dragon costuma afastar os jogadores novatos que desejavam ingressar nesse universo, e é fácil de entender a razão. Hoje em dia, no entanto, muita gente utiliza o game de 2020 como ponto de partida para a aventura, e a decisão não poderia ser mais sábia.
Já Infinite Wealth é bem mais ameno neste quesito, e foca a atenção do jogador para o que realmente importa na trama. São poucos nomes e personagens para conhecer, alguns aliados e outros vilões, mas todos bem construídos e com tempo de tela suficiente para gente gostar muito deles ou desejar uma morte terrível para cada um dos filhos da mãe que aparecem pelo caminho.
O taxista Eric Tomizawa e a misteriosa Chitose Fujinomiya são adições preciosas ao grupo. Tomi, como é chamado, é filho de japoneses nascido no Havaí. Depois de algumas complicações na vida, se tornou um taxista golpista, daqueles que esperam por turistas desavisados no aeroporto (principalmente japoneses) e faturam em cima da inocência deles. Chitose é uma garota misteriosa e cheia de talentos, principalmente com tecnologias modernas, já que a jovem de 20 e poucos anos vive nesse mundo moderno, ao contrário dos dinossauros com mais de 40 anos da sua party.
Um dos grandes talentos do Ryu ga Gotoku Studios se firma na escolha dos talentos que vão representar seus personagens no game. E o destaque de Infinite Wealth, sem dúvida, vai para a inserção de ninguém menos que o lendário Danny “Machete” Trejo ao elenco. Ele dá a voz (em inglês) e rosto ao vilão Dwight Méndez, líder da gangue dos Barracudas, no Havaí.
Por fim, há Yutaka Yamai, patriarca do Sindicato Yamai e um dos grandes antagonistas do game. Com visual ameaçador, uma mistura de Snape com John Wick japonês, e a personalidade sádica e calma que todo mundo ama, somada ao talento de Takehito Koyasu como voz original em japonês, esta é, sem dúvidas, uma das melhores adições do jogo.
Não dá para falar mais sobre os vilões do game, porque isso pode estragar algumas reviravoltas importantíssimas, então vamos parar por aqui.
Bem vindo ao Havaí
Pela primeira vez a franquia Yakuza deixa o Japão e visita os Estados Unidos. O Havaí é um mapa completamente diferente do que estamos acostumados em Like a Dragon. Curiosamente, o tom ocidental que o jogo ganhou deve agradar mais o público japonês, já que são eles que agora vão experimentar as diferenças culturais de outro país.
O Havaí, aos olhos do estúdio japonês, é cheio de características únicas. Alguns preconceitos, óbvio, algumas cutucadas políticas, mas uma cidade cheia de vida, que recebe turistas de braços abertos, principalmente os golpistas da região, sempre em busca da próxima vítima.
Os bairros são bem divididos, há uma diversidade bacana nas regiões que é possível explorar, desde áreas mais nobres, até os becos mais abandonados. A praia é gigante, cheia de coisas para fazer e nadar no mar é sempre uma opção.
O idioma é uma grande peculiaridade do game, já que no Havaí todos falam inglês, menos Ichiban e Kiryu. O Tomi, nascido e criado no Havaí, é um dos poucos personagens bilíngues no jogo, mas o que o torna especial é que o seu japonês é impecável, enquanto é possível sacar na hora o quanto o dublador do personagem ralou para falar suas frases em inglês (com aquele sotaque japonês inconfundível).
Além do Havaí, o jogo conta com os distritos de Isezaki Ijincho (Yokohama), e Kamurocho (Tóquio) como mapas jogáveis. Todos completíssimos e cheios de atividades, atualizados para os acontecimentos mais recentes da franquia – Kamurocho está com alguns quarteirões completamente diferentes, devido a uma política implementada pelo governo japonês de dar um fim à criminalidade no bairro dos mafiosos.
Minigames
Não se preocupe: os minigames continuam no jogo e, desta vez, espalhados pelo mundo. Karaokês, fliperamas, shogi, mahjong, poker e até um “Tinder” (faz ponta com um pedaço da história de Ichiban no jogo, vocês vão ver) e tantos outros já disponíveis em outras versões do jogo estão de volta, com seus próprios desafios.
Mas há coisas novas também, como um minigame que transforma o protagonista num entregador de comida por aplicativo. Com a sua bicicleta, é preciso correr o mais rápido que puder pelas ruas do Havaí, coletando comida e entregando aos seus destinatários, sempre se arriscando em manobras cheias de estilo.
Em outro minigame, o jogador sobe num bondinho de rua e sai fotografando os estranhos escondidos na cidade. Mas como saber se eles são estranhos ou não? Bem, você com certeza vai se dar conta disso na hora.
Esses (e outros) minigames especiais são destravados ao longo da campanha, e concedem prêmios exclusivos como armas e armaduras raras. Por isso é sempre bom dedicar um tempinho na realização dessas tarefas.
O mundo dos Sujimon e a Ilha Dondoko
A cereja do bolo em Like a Dragon: Infinite Wealth, e provavelmente o motivo do jogador acumular o dobro de horas necessárias para a conclusão da aventura principal (cerca de 70h, no meu caso), são os minigames especiais dos Sujimon e a Ilha Dondoko.
Quem jogou o Like a Dragon (2020) já conhece os Sujimon – o termo é uma variação da palavra “sujimono” que, em japonês, designa uma pessoa perigosa, um mafioso por assim dizer –, criaturas estudadas pelo “Professor” que são inseridas na sua Sujidex à medida que você as enfrenta. Eles são, basicamente, qualquer inimigo que você enfrenta no jogo.
Em Infinite Wealth, os Sujimon ganharam seu próprio minigame, com uma Liga Sujimon, a Elite dos Quatro, e até um treinador que reina acima de todos. A paródia vai além, e coloca o jogador no comando de um time de seis Sujimon que se enfrentam em uma arena especial, com suas próprias regras e premiações.
Agora vamos falar da Ilha Dondoko, outra parada obrigatória para todos os jogadores de Like a Dragon: Infinite Wealth. Desta vez, uma paródia em cima de outro jogo da Nintendo, Animal Crossing. Depois de uma batalha insana, Ichiban desperta numa ilha perdida no mar do Havaí e conhece seus três habitantes, dois monstros de programas infantis bizarros e um velho que explica que ali, na verdade, era um resort cinco estrelas, que se tornou um lixão graças à ação criminosa de uma gangue de piratas local.
Ao lado dos moradores da Ilha Dondoko, Ichiban resolve lutar contra esses piratas, acabar com o lixo do local e transformá-lo no belo resort cinco estrelas que ele foi um dia. Este também pode ser o fim da sua campanha no jogo, se não tomar cuidado (rs).
A câmera do jogo sobe um pouquinho, deixando as coisas mais isométricas e, com a ajuda do seu taco de baseball, Ichiban tem que destruir o lixo espalhado pelas regiões. Além da limpeza, é preciso coletar materiais como madeira, pedras, minerais raros e o lixo reciclável, que viram material de construção. Com a vara de rede, é possível coletar os insetos espalhados pela ilha e, com o arpão, dá para pescar peixes no mar.
Depois de coletar dinheiro suficiente para revigorar a área por completo, o jogador evita a proliferação de lixo no local e o deixa apto para a construção. E é aí que a coisa começa a engajar.
É preciso restaurar as qualificações de resort cinco estrelas do local, uma a uma. Construir, móveis, prédios, acampamentos para visitantes, hospedá-los, cuidar das suas necessidades, e claro, expandir, tudo fica sob a sua direção. A rotina diária é contada através do ciclo de dia e noite, é preciso dormir para recuperar forças e continuar no dia seguinte, tudo num esquema daqueles jogos “fazendinha” que fazem sucesso por aí.
E, para evoluir o seu personagem, é preciso mobiliar a casa. Quanto maior for o seu conforto do lar, mais “corações” você terá à disposição para sobreviver às investidas criminosas dos piratas, que vão invadir a sua ilha constantemente.
Como se isso não fosse coisa demais, ainda é possível enviar todos os seus Sujimon (mesmo contra a vontade deles) para ajudá-lo em tarefas como reciclagem, cultivo de verduras ou apenas deixá-los num centro de treinamento num regime mais controlado e eficiente. Quanto mais fortes os seus Sujimon, mais fáceis serão as suas batalhas na Liga. Tudo perfeito demais.
Discurso modernizado
Mas não foi só o gameplay que progrediu em Infinite Wealth. A forma como os desenvolvedores evoluíram a narrativa do game é digna de elogios. Não é de hoje que Yakuza, apesar das partes positivas, vez ou outra também pisa na bola com alguns assuntos que, mais do que nunca nos dias de hoje, precisam ser levados mais à sério.
A série é conhecida pelo tom machista de algumas passagens, já foi acusada de transfobia por conta de situações que, há dez anos, eram tidas como sátiras, além, claro, de muito racismo e xenofobia pelo modo como algumas histórias eram apresentadas. E as acusações eram totalmente plausíveis.
Infinite Wealth aprendeu, à sua maneira, e tentou corrigir algumas falhas. Há um pouco de ironia em cada uma das situações propostas nas cenas. Não de uma forma ofensiva, mas de um jeito que faz a gente pensar “Até esses boomers tão tentando aprender a se encaixar na sociedade como ela é, eu devia tentar também”. É divertido e educativo ao mesmo tempo.
Há bizarrices espalhadas no game, principalmente quando os personagens explicam as nuances culturais do Havaí. Pode ser só impressão, mesmo porque também não sou de lá para saber, mas há momentos que lembram quando Max Payne 3 vinha com aquelas maluquices e dizia que era São Paulo? O jeito é esperar para ver como será a recepção do público local retratado pelo game.
As pequenas (e grandes) loucuras encontradas ao dobrar uma esquina no game são o que fazem a aventura valer a pena. A trama principal é séria, vai te fazer chorar (muito) e tá tudo bem, porque, ao mesmo tempo, você vai ajudar dois crustáceos a encontrarem a felicidade juntos, vai fazer nevar no Havaí para satisfazer a vontade de um casal de idosos e até fazer amizade com criaturas do mar. Esse é o Ichiban, ele faz o que pode para ajudar quem quer que venha lhe pedir ajuda.
Vale lembrar também que o game vem completamente localizado para o português do Brasil. Uma necessidade em se tratando de um RPG como esse. A dublagem em inglês também retorna à franquia – o game de 2005 cometeu algumas atrocidades na adaptação, enquanto a versão dublada de Like a Dragon chegou algum tempo depois do seu lançamento.
Like a Dragon: Infinite Wealth é um espetáculo. Um desfecho digno para os personagens e também para quem os acompanhou por esses 20 anos. Muito sangue foi derramado, muitas famílias desfeitas, ao mesmo tempo que algumas novas também foram criadas. A franquia Yakuza é imensa, Kiryu é uma lenda dentro e fora dos videogames, e talvez Ichiban Kasuga siga por um caminho semelhante. Separa um lencinho para enxugar as lágrimas e mete pau nesse game, que provavelmente vai ser o melhor RPG de 2024, passando por cima até de Final Fantasy VII. Aposto firmemente nisso.
Essa review foi feita com uma cópia cedida pela SEGA e Ryu Ga Gotoku Studio.
Like a Dragon: Infinite Wealth será lançado em 26 de janeiro para PlayStation 5, PlayStation 4, Xbox Series X|S, Xbox One e PC.
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