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No momento em que multiverso se tornou uma febre e a Marvel estava no auge de sua popularidade, o anúncio de What If…? foi recebido com entusiasmo. Afinal de contas, novas aventuras em diferentes realidades é um conceito que se encaixa como uma manopla em uma animação, linguagem considerada mais livre que os live-actions. O problema é que não foi bem assim.

Lançada em 2021, a primeira temporada teve uma recepção morna ao se manter próxima demais dos filmes e brilhar somente quando trouxe uma perspectiva nova sobre esses personagens e os universos que os cercam. Dois anos depois, What If…? chega a um segundo ano igualmente marcado por oscilações, mas com altos divertidos o suficiente para que a experiência não seja uma perda de tempo.

As principais críticas à primeira leva da animação foram destinadas à forma como a produção jogou seguro ao se basear demais nos filmes do MCU. Questões como a repetição de estruturas dos longas com poucas alterações, ou a insistência em referências e easter eggs, foram recebidas como uma espécie de traição ao conceito principal da série.

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Esse problema, em específico, aparece menos na segunda temporada. Por mais que ainda orbite em torno de personagens e eventos conhecidos, o mote principal da maior parte das histórias traz frescor o suficiente para escapar de serem meros repetecos. A questão é que apenas novos elementos não bastam para produzir boas tramas, e é nesse ponto em que o segundo ano de What If…? oscila.

 

A vontade de mudar fica clara logo no primeiro episódio, que coloca a Nebulosa como protagonista de uma trama inspirada por suspense noir e ficção científica. Para além de invocar clássicos como Blade Runner (1982), essa combinação propõe uma situação inédita ao núcleo cósmico da Marvel, mas não honra a novidade graças a uma trama previsível que nunca acerta o tom entre a seriedade e a galhofa.

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O mesmo pode ser dito de outros capítulos fraquíssimos, como o terceiro, que imagina um Natal na torre dos Vingadores para homenagear o clássico Duro de Matar (1988) da forma mais entediante e sem graça possível (ouch). Ou o quarto, que joga o Homem de Ferro e a Gamora na Sakaar de Thor: Ragnarok (2017) em uma trama que não conecta nada de forma orgânica, se baseando em empurrões, como conveniências e saltos lógicos, para fazer a história andar.

Felizmente, o gosto amargo dessa trinca é diluído aos poucos com capítulos que aproveitam melhor a herança deixada pelo MCU. Nesse quesito, se destacam o segundo, que mostra um mundo em que Peter Quill foi criado pelo alienígena Ego para conquistar a Terra, e o sétimo, em que Hela é banida para o nosso planeta, em vez dos confins do inferno nórdico de Hel.

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Ambos divertem pela forma como misturam conceitos estabelecidos em filmes diferentes em um enredo coeso e engajante. Novidades, como a equipe de Vingadores montada no primeiro, e a união das mitologias de Asgard e Ta Lo, do segundo, são convincentes por aproveitar brechas deixadas pelo passado, mas explorá-las nos próprios termos. Tudo isso com as inconfundíveis vozes de Michael Douglas, Kurt Russell e Cate Blanchett, no áudio original.

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Porém, a segunda temporada brilha de verdade quando mergulha em histórias realmente originais, que refletem um esmero ausente até mesmo nos capítulos que se contentam em ser bons.

Kahhori e Capitã Carter ao resgate

O primeiro grande destaque é a apresentação de Kahhori, uma heroína criada em What If…?. Em um episódio que praticamente segue o molde das histórias de origem do MCU, ela é apresentada como uma jovem que faz parte do povo mohawk, que ganha poderes após entrar em contato com o Tesseract, o cubo cósmico que escondia uma Joia do Infinito.

O capítulo reflete a seriedade com que a equipe encarou a criação de uma heroína do zero. Desenvolvida em parceria com uma nação indígena do mundo real, a jornada de Kahhori recupera a sensação de maravilhamento ao conhecer um novo herói e o mundo ao seu redor, sentimento comum nas primeiras fases do MCU, mas que se perdeu com o tempo.

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Isso se deve não só à trama, que cativa com os personagens e suas evoluções, mas também ao aspecto visual. Apesar de What If…? seguir um estilo próximo do realismo para facilitar o intercâmbio com os cinemas, a natureza fantasiosa do episódio permite à equipe se soltar na hora de traduzir superpoderes, além do capricho na criação de cenários e designs de personagens. Uma mistura que torna essa aventura um destaque não só da temporada, mas da série como um todo.

Kahhori faz estreia poderosa em What If…? (Marvel/Reprodução)

Outro ponto alto da temporada é a Capitã Carter, cuja participação encapsula os problemas e sucessos do novo ano. Ela aparece primeiro no quinto, “O Que Aconteceria se… a Capitã Carter Lutasse Contra o Esmagador Hidra?”, que coloca a personagem em uma trama que não vai muito além de ser uma mistura entre Capitão América: O Soldado Invernal (2014) e Viúva Negra (2021). O episódio não é ruim, mas o retorno à zona de conforto é gritante ao ponto de parecer desperdiçar a personagem, que se provou popular ao ponto de migrar para os live-actions em Doutor Estranho e o Multiverso da Loucura (2022).

Mais adiante, a heroína retorna no oitavo episódio, em que é transportada para um outro universo, em que precisa unir forças a outros heróis para impedir um apocalipse no ano de 1602. Livremente baseado na HQ de Neil Gaiman, que gira em torno de imaginar heróis da Marvel no século XVII, o capítulo é outro a focar esforço em contar uma boa história original que diverte justamente pela dinâmica de inserir personagens conhecidos em contextos e cenários novos.

Chega a ser curioso como a Capitã Carter tem praticamente o mesmo arco de sua aventura anterior, mas dessa vez tudo funciona melhor. O esforço em criar um novo universo, que entretém pelas mudanças visuais e narrativas, traz um frescor que falta na aventura anterior, que se contenta em fazer analogias a um sucesso de quase uma década atrás.

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Capitã Carter, um dos destaques da segunda temporada de What If...? (Marvel/Reprodução)

Considerando a grandiosidade da aventura e os personagens envolvidos, esse até poderia ser um grand finale para a temporada. Porém, What If…? tinha um último episódio protagonizado pela Capitã Carter na manga.

Velhos vícios demoram a morrer

Chamado “O que aconteceria se… Estranho Supremo Interviesse?”, o nono capítulo mostra o retorno do Doutor Estranho Supremo, dono do melhor episódio da primeira temporada. Descrever a trama para além disso acabaria esbarrando em spoilers, então vamos dizer apenas que tudo se torna uma batalha grandiosa envolvendo diferentes figuras do multiverso enquanto o Vigia assiste – e torce pela sobrevivência das múltiplas realidades.

No primeiro momento, o episódio se desenha como uma evolução natural da temporada, promovendo encontros entre alguns de seus personagens em mais uma missão para salvar o dia. O problema é que, conforme avança, a trama soa cada vez mais um repeteco da conclusão da primeira temporada, que fez exatamente a mesma coisa.

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Mesmo sendo uma grande pancadaria multiversal entre variantes de personagens queridos, a trama nunca fica interessante de verdade. Ao transformar tudo em um grande combate entre quem tem mais poder, a produção esvazia qualquer emoção e se contenta no apático pot-pourri de magias, armas e objetos consagrados nos 16 anos desse universo cinematográfico.

Dessa forma, a segunda temporada de What If…? termina marcada por uma oscilação que acompanha o projeto desde o início. Em seus melhores momentos, a produção mostra que é capaz de cumprir o potencial que carrega, mas perde forças ao dar passos para trás para jogar seguro ao confiar nos louros do passado. Com uma terceira temporada já confirmada, resta torcer para que a ousadia vença nos universos que visitaremos no futuro.