Mesmo após um ano incrível para os jogadores, é fato que a indústria de games passa por uma crise. Demissões em massa atacaram diversos estúdios, escândalos de manipulação e abuso são constantes, e o ciclo de desenvolvimento de projetos é mais longo do que nunca. É curioso que a franquia Call of Duty se enquadre em todos os três tópicos — mas ficou evidente que o terceiro item é o único que realmente incomoda a Activision Blizzard.
A publisher passou por cima de denúncias de más condições de trabalho e assédio que acometeram a empresa, mas não conseguiu lidar com a ideia de que a saga poderia ficar sem um novo jogo em 2023. O resultado é Call of Duty: Modern Warfare III, uma “sequência” montada às pressas que torce muito que o saudosismo pela antiga trilogia Modern Warfare seja o suficiente para disfarçar a oferta pouco inspirada que traz.
Antes, um pouco de contexto. A franquia Call of Duty é dividida entre três estúdios, e cada um leva três anos para desenvolver o game da vez, com lançamentos anuais intercalados. Em 2023, era a vez da Treyarch, responsável pela saga Black Ops, mas o projeto crescey além do controle (assim como todos jogos blockbuster atuais) e acabou sendo adiado para 2024. Segundo a Bloomberg, foi aí que a Activision teve a ideia de “promover” uma expansão para Modern Warfare 2 (2022), que vinha sendo desenvolvida pela Sledgehammer Games, ao posto de jogo completo.
Tudo bem que o chefe do estúdio, Aaron Halon, negou que o projeto foi concebido como algo menor, mas vários desenvolvedores deram comentários que apenas comprovaram a reportagem inicial: de que Modern Warfare III surgiu de última hora e forçou os desenvolvedores, em inúmeras horas extras de trabalho não-remunerado, a criar um game à altura do antecessor, mas em apenas metade do tempo necessário.
Volta ao mundo em 5 horas
Mesmo além dos bastidores, o jogo demonstra bagunça e inconsistência por si só. A campanha é o melhor exemplo disso. Notória pela curta duração, de cerca de cinco a sete horas, ao ponto de ter virado piada no The Game Awards, o modo single-player é um esforço muito abaixo da média da franquia. A trama retoma a luta da Força-Tarefa 141 para encontrar e eliminar o terrorista russo Vladimir Makarov, que escapou da prisão e agora planeja um grande atentado, com o objetivo de incitar uma nova guerra mundial.
Além de efetivamente reutilizar a trama do Modern Warfare 2 original, de 2009, o jogo ainda traz um conceito de “Missões Abertas” — que nada mais são do que fases mais amplas, ambientadas em trechos de mapas de Call of Duty: Warzone. É uma mudança de rumo que evidencia a pressa em ter algo pronto rapidamente, pegando recursos já existentes para remendar em algo que assemelhe a uma campanha. No mesmo espírito, as cutscenes são visualmente piores do que no antecessor, e a história se desenvolve de forma super corrida, quase sem impacto algum.
É especialmente decepcionante ao se comparar com Modern Warfare II (2022), que elevou o nível das campanhas de Call of Duty pela trama intrigante, ótimos personagens com interações divertidas entre eles, e fases com objetivos variados, que exigiam um pouco mais de criatividade do jogador.
Não é que a experiência de Modern Warfare III seja miserável. Há momentos divertidos na campanha, mas tudo por mérito do quão satisfatórias são as mecânicas do game. Em termos de design, as fases são desinteressantes, repetitivas e apelam para dificuldades artificiais para estender a duração. Se atirar nesse jogo não fosse tão bom, a campanha toda podia ser descartada.
Saudades de 2009?
No lado do Multiplayer, as coisas não são muito mais originais. A grande promessa do novo jogo é… resgatar todos os mapas do Modern Warfare 2 clássico. Sim, é um Call of Duty vendido a preço cheio que sequer traz um mapa inédito, apenas remakes.
Claro, os mapas clássicos são excelentes. Tiroteios em “Favela”, intensas partidas de Dominação em “Estate” e confrontos acirrados em “Rust” nunca deixarão de ser excelentes, e o tapa no visual garante que as fases encham tanto os olhos quanto faziam em 2009. Mas é decepcionante que tudo que um jogo de mais de R$300 tenha a oferecer seja uma dose de nostalgia — enfraquecida pelo fato de que muitos dos mapas do MW2 já deram as caras em outros títulos da franquia de 2009 para cá.
Há novidades nas mecânicas, mas até essas são feitas para resgatar um público já existente. No geral, tudo que Modern Warfare III faz é desfazer as mudanças do antecessor, garantindo mais fluidez e facilitando deslizadas, recarregamentos mais rápidos e todo tipo de técnica queridinha pelo tipo mais insuportável de jogador que você encontrará. Acontece.
O que fecha o pacote é o modo Zombies, que traz uma experiência cooperativa de mundo aberto muito similar à encontrada no antecessor e em Black Ops Cold War (2021). Como sempre, é divertido e caótico, mas não traz nada de novo e nem combate a sensação de reutilização, até porque utiliza o mesmo mapa de Warzone 2.0.
No fim das contas, Call of Duty: Modern Warfare III não é exatamente ruim, mas sim descaradamente ganancioso e medíocre. Com uma campanha sem graça, acompanhada por Multiplayer e Zombies batidos, é difícil não sentir que o jogo sacrifica a boa vontade que foi duramente conquistada por Modern Warfare II. Tudo para tirar um troco e garantir que 2023 não termine sem um CoD. Seria melhor ter saído como uma expansão mesmo — de preferência, com um valor mais justo, já que aqui não há nada realmente convincente em oferta.
Call of Duty: Modern Warfare III está disponível para PlayStation 4, Xbox One, PC, Xbox Series X | S e PlayStation 5.