Um filme como Wonka é capaz de se tornar divisivo antes mesmo de chegar aos cinemas. De um lado, há a expectativa em voltar ao universo de A Fantástica Fábrica de Chocolate, enquanto, do outro, o medo de tudo não passar de um novo caça-níquel baseado em nostalgia. Os dois pólos se encontram na curiosidade, que é recompensada por uma produção tão encantadora e apaixonante que responde a anseios e temores com graça.
Wonka conta a história de um jovem Willy Wonka antes de abrir a fantástica fábrica de chocolates que faz parte do imaginário da cultura pop há mais de 50 anos. Vivida por Timothée Chalamet, a nova versão mostra o rapaz em busca de uma chance no ramo dos chocolates na prestigiada Galeria Gourmet. Ao descobrir que a realidade é mais dura do que parece, ele une forças a um grupo inusitado para tornar o sonho realidade.
A origem de Willy não toma um caminho exatamente inédito. Afinal de contas, a jornada de alguém que deixa o próprio lar para trás e precisa lidar com a triste realidade em uma suposta terra de oportunidades é antiga tanto na ficção quanto fora dela. Porém, essa jornada é contada com um capricho que toma conta de todos os aspectos da produção.
Capitaneado pelo diretor Paul King, que escreve o roteiro em parceria com Simon Farnaby (ambos de Paddington 2), Wonka coloca todas as suas forças em preencher essa estrutura batida com identidade própria. Mesmo utilizando o clássico A Fantástica Fábrica de Chocolates (1971) como referencial, o novo longa caminha com as próprias pernas ao criar um cantinho próprio dentro deste universo.
O primeiro aspecto que toma o espectador de assalto é o técnico. Wonka aproveita a estrutura de uma grande produção em um espetáculo audiovisual que garante a imersão e o fascínio de uma tacada só. A Galeria Gourmet e os diferentes lugares por onde Willy e companhia transitam são vivos e pulsantes, como a materialização de imagens dignas do imaginário infantil.
O longa é bem-sucedido ao criar uma realidade fantasiosa e excêntrica e se aproveita disso ao máximo. Decifrar a lógica interna desse local se torna parte da diversão, alimenta o humor e torna Wonka charmoso. Uma experiência que joga luz ao aprimorado trabalho de departamentos jogados para o segundo plano sob o título de “técnicos”, como fotografia, direção de arte, design de produção e figurino.
Todo esse apuro técnico se torna uma base sólida para que a tal origem de Willy Wonka seja mais do que um mero passeio nostálgico. Pelo contrário, é como se Paul King e companhia usassem o longa para recuperar uma espécie de magia cinematográfica que parece cada vez mais ausente de grandes produções, cada vez mais dependentes de computação gráfica e correções na pós-produção. Um projeto apaixonado e sincero que reflete na própria jornada do protagonista.
Sem interesse em repetir mecanicamente o que foi feito do personagem anteriormente, a produção se esforça para que a origem de Willy Wonka seja mais do que um punhado de respostas a perguntas irrelevantes como “onde ele conseguiu a cartola” ou algo do tipo. Pelo contrário, a produção leva o personagem de Timothée Chalamet por uma jornada cheia de obstáculos e peculiaridades digna do que o personagem se tornará quando abrir a tal fantástica fábrica de chocolates.
Sem abrir mão da visão que o grande público tem de seu protagonista, como essa espécie de mágico-gênio capaz de feitos inimagináveis, Wonka conquista ao estabelecer desafios criativos que exigem saídas mais engenhosas ainda. Uma dinâmica que esconde seu mecanismo complexo com um verniz de simplicidade que nunca deixa a mecânica chamar mais atenção do que o próprio truque.
O mesmo pode ser dito sobre os personagens de apoio, que são tão simples quanto certeiros. Como que saídos diretamente de contos de fada, seus caráteres e condutas são resumidos aos próprios nomes – como um contador chamado Ábaco ou um comediante com o sobrenome Risadinha. Uma simplicidade que passa longe de ser um demérito justamente por tais figuras se encaixarem como peças da engrenagem que mantém esse carrossel girando.
Todos esses fatores se destacam nos números musicais, um dos grandes chamarizes de Wonka. Cada momento de cantoria e dança é um espetáculo diferente tanto por colocar os aspectos técnicos em alto nível em jogo em momentos marcantes, quanto por marcar pontos-chave da trama que engrandecem por acontecer em meio a tamanho maravilhamento.
Esses momentos se tornam a cereja do bolo de um filme que supera desconfianças e cumpre expectativas em uma superprodução digna do nome que leva. Um feito que se torna ainda mais doce graças a uma última camada de sua história: sua natureza metalinguística.
É possível enxergar a jornada do Willy Wonka de Timothée Chalamet como uma metáfora para qualquer um que trabalhe com arte, e ganha tempero especial vinda de Hollywood. Transformar o personagem em alguém tão apaixonado por algo que decide viver disso, mas acaba desiludido com um sistema opressivo por trás de seu fascínio ganha ainda mais camadas após as greves que paralisaram a indústria. E, assim como Willy, o filme Wonka lida com as contradições de criar algo em meio a um sistema ganancioso e implacável com doçura, criatividade e paixão.