O estado em que jogos são lançados já não importa mais. Um game pode sair deplorável, com inúmeros problemas de performance, falta de conteúdo ou até ser genuinamente ruim. Com dedicação dos desenvolvedores, e uma base de fãs engajada o bastante, tudo pode retornar das cinzas.
Foi o caso de No Man’s Sky e, recentemente, de Cyberpunk 2077. Mas, na lista de títulos que deram a volta por cima, Fallout 76 não recebe o mesmo reconhecimento. O game da Bethesda pegou a amada franquia e a transformou em um RPG online, aos moldes de The Elder Scrolls Online. Só pela mudança de rumo, muita gente já ficou com um pé atrás desde o anúncio, mas o lançamento problemático em 2018 selou a reputação do projeto.
Bom, 2018 foi há cinco anos. De lá para cá, a Bethesda arregaçou as mangas e começou a trabalhar na retomada de Fallout 76. Os problemas de performance foram corrigidos e o jogo ganhou expansões genuinamente elogiadas. Muitas das qualidades originais, antes enterradas em sistemas bizarros e desempenho lamentável, hoje podem ser vistas com mais facilidade.
Sendo assim, é natural se perguntar: agora vale a pena começar a jogar Fallout 76? Para descobrir a resposta, o NerdBunker decidiu abrir as portas da Vault e se aventurar pela terra desolada e radioativa dos Apalaches pela primeira vez.
Essa experiência começou graças à Bethesda, que nos convidou para conhecer a próxima grande atualização do jogo, chamada de Expeditions: Atlantic City. O update de conteúdo gratuito levará os jogadores para uma aventura em Atlantic City, luxuosa cidade turística em Nova Jersey, nos Estados Unidos — só que reinterpretada pelo viés pós-apocalíptico de Fallout, claro.
O convite consistia em acompanhar os desenvolvedores em uma missão da vindoura atualização, para conhecer a cidade e entender mais sobre o conflito entre facções mafiosas que ali acontece. A única complicação é que este que vos fala nunca havia jogado Fallout 76.
Longe de ser um problema, era uma oportunidade de, enfim, ver se a onda de negatividade de 2018 já havia se dissipado. Com uma key cedida pela Bethesda, baixei o game e comecei minha primeira aventura.
Country Roads: as primeiras aventuras em Fallout 76
Situado antes de qualquer outro jogo da saga, apenas 25 anos após a guerra nuclear que devastou o mundo, o game é ambientado na Virgínia Ocidental pós-apocalíptica. A trama acompanha os integrantes da Vault 76, um bunker subterrâneo em que os seletos habitantes têm a missão de reconstruir o mundo.
A jornada começa com a detalhada criação de personagem, permitindo fazer um sobrevivente entre várias opções de aparência, e o icônico momento de ver o mundo pela primeira vez ao deixar a Vault. Minhas primeiras horas no jogo foram um atestado das maiores qualidades de Fallout 76: a comunidade receptiva e o carisma da franquia.
Em apenas alguns minutos de jogo, na saída da Vault, dei de cara com jogadores de alto nível, sendo um na casa dos 120 e outro com nível acima de 400. Ao invés de um contato hostil, os jogadores ficaram felizes em ver um novato. Com uma poderosa armadura gigante, um deles deixou uma caixa de presentes no chão, com armas, recursos para criação de itens, munição e comida — o que é importante, visto que o personagem sofre de fome e sede com o tempo.
Essa experiência se repetiu algumas vezes ao longo dos nossos testes. Todo encontro com outros jogadores foi tranquilo, e os veteranos sempre pareciam empolgados em ver novatos, reagindo com emotes amigáveis e entregando itens valiosos para o começo da jornada. Não é algo exatamente comum em jogos online, né?
A presença de outros jogadores em Fallout 76 é modesta e pouco invasiva. Cada servidor comporta cerca de 24 players, o que é o suficiente para que você esbarre com alguém, mas pouco o bastante para que a experiência não dependa apenas de outras pessoas. Vez ou outra há avisos de que alguém lançou uma pequena bomba nuclear em algum lugar no mapa. Se você, infelizmente, estiver pela área, terá de correr ou buscar abrigo, o que acaba sendo um pouco divertido.
Qualquer outro tipo de confronto ou PVP acontece apenas se você quiser, como ao tentar clamar uma bancada de trabalho vaga ou invadir o acampamento de outra pessoa. Caso contrário, não espere ter sua jornada atrapalhada por algum bagunceiro.
Em essência, é como qualquer outro Fallout: você deixa a Vault com uma missão e precisa completá-la gradualmente, colhendo informações com NPCs e fazendo pequenos trabalhos para que eles decidam abrir o bico. No caso, seu objetivo é encontrar a Overseer, vulgo a líder da Vault 76, que deixou o local pouco antes da grande abertura das portas, sob motivos elusivos e apagando toda a base de dados do bunker.
Claro que você irá se perder pelo caminho, e essa é a graça. O mundo é bem grande, repleto de cenários variados e perigos, mas com certa beleza macabra. Mesmo em um ambiente online, é delicioso sintonizar o computador de pulso Pip-Boy em uma rádio de clássicos, e caminhar por estradas destruídas e coloridas florestas ao som de algo como “Take Me Home, Country Roads”, carta de amor de John Denver à Virgínia Ocidental.
O combate é satisfatório e dinâmico, com boa variedade de armas de fogo convencionais, pistolas laser e equipamentos corpo-a-corpo. O VATS, sistema que transforma o tiroteio em combate por turnos, para garantir dano localizado em determinadas partes do alvo, retorna e funciona surpreendentemente bem até em tempo real, novamente como um recurso para quem busca precisão nos tiros.
Mas o grande chamativo é o enorme carisma. A saga é conhecida tanto pela estética retrofuturista quanto pelo humor irônico e pela escrita de qualidade. Fallout 76 entrega tudo isso, tanto nos bons diálogos com personagens quanto no design do mundo. É um prazer se aventurar por casas abandonadas e encontrar histórias daqueles que ali habitavam, ou então se deparar com algum tipo de bizarrice, como um enorme robô vaca que te fala “Moo” em uma voz metálica.
Há a opção de montar seu próprio acampamento, assim como em Fallout 4. Você escolhe um lugar do mapa e passa a customizar a base com itens, decoração e bancadas de trabalho, para ajustar armas, armadura e afins. Em dado momento, um robô cruzou meu acampamento, xingando a decoração e falando que os preços cobrados em minhas bancadas eram impraticáveis. Ao me aproximar, vi que o robô se chamava “Bot do Insulto”, que prontamente disse a mim: “Não é nada pessoal”. Acontece.
Entre piadinhas, bons encontros com outros jogadores, combate sólido e um mundo muito intrigante, Fallout 76 convence e é tão viciante quanto outros títulos da saga. Alguns elementos do single-player fazem falta, como a opção de fazer um rápido save para poder testar alguma ideia idiota, sem medo de consequências. Mas, no geral, é uma experiência que fica a altura dos títulos passados.
Para novatos e veteranos: o futuro promissor de Fallout 76
Em breve, o primeiro contato com o game será um pouco diferente. A Bethesda manterá a opção de começar do zero, como nós fizemos, mas também permitirá pular logo para o nível 20, para quem busca rápido acesso a grande parte do conteúdo adicional. Dessa forma, se o seu interesse estiver nos updates e expansões mais recentes, não será preciso enfrentar a campanha original e nem esses momentos iniciais, por mais divertidos que sejam.
A mudança é parte de Expeditions: Atlantic City. A próxima grande atualização do jogo será dividida em duas partes, repletas de conteúdo para quem estiver um pouco mais avançado no game. Em nome do NerdBunker, pude conferir um pouco de uma missão inédita, acompanhado pelos desenvolvedores.
Assisti quase uma hora de conteúdo novo, jogado e comentado pelo trio Jonathan Rush (diretor de arte), Joshua Moretto (designer sênior de quests) e Stephanie Zachariadis (designer associada de quests). Segundo os desenvolvedores, o conteúdo inédito tirará os jogadores dos Apalaches, cenário principal do game, e os colocará no meio de um conflito entre mafiosos de Nova Jersey.
Na demonstração, vi o trio explorando as ruas de Atlantic City, cidade grandiosa que poderia muito bem ser um dos ambientes de Fallout: New Vegas (2010). A tarefa envolvia agradar um dos chefões da máfia do local, realizando todo tipo de trabalho para o criminoso, como enfrentar agentes do governo e destruir escutas em um enorme cassino.
A missão contou com tudo que há de bom em um Fallout, como diálogos ácidos e tiroteios, além da opção de várias abordagens para resolver problemas. Os desenvolvedores, claro, optaram pela rota violenta, mas garantiram que há sim soluções mais diplomáticas. Depois que os trabalhos acabaram, a equipe curtiu um pouco no cassino, que conta com uma série de minigames para gastar preciosas tampinhas, como roletas e máquinas de caça-níquel.
Os desenvolvedores explicaram que o update será em duas partes. O primeiro será menor, quase como uma introdução aos conflitos da máfia e a Atlantic City. Já o segundo, previsto para algum ponto no início de 2024, será bem maior e permitirá até a exploração livre da cidade, sem amarras.
Haverá ainda a possibilidade dos jogadores recriarem os cassinos nos acampamentos, com uma variedade de itens e até os mini-games podendo ser aproveitados nos cenários comuns do jogo.
Veredito: vale a pena jogar Fallout 76?
Parece que o pior momento do game ficou no passado. Com problemas de performance majoritariamente resolvidos, e com conteúdo bastante interessante para jogadores de todo o tipo, Fallout 76 se torna muito atraente para qualquer um que sente falta de se aventurar pela franquia.
Se você nunca teve nenhum contato com outro Fallout, talvez seja mais interessante conhecer os jogos single-player antes, especialmente por serem excelentes. Mas, se você já tem alguma experiência na saga e está sedento por outro título, acredite, o RPG online satisfaz essa vontade muito bem ao trazer muito do charme que consagrou os demais games.
Assim como é o caso de The Elder Scrolls Online, não parece que a Bethesda abandonará o game tão cedo assim, garantindo bastante conteúdo inédito no futuro. A opção de pular os primeiros 20 níveis também permite ir direto para as novidades, caso o seu interesse seja apenas em desbravar as Expedições (apesar dos desenvolvedores afirmarem que o conteúdo seja desafiador nesse nível, mas totalmente realizável).
Melhor ainda, está disponível em serviços de assinatura de todas as plataformas. No PC e consoles Xbox, está no catálogo do Game Pass. Já nos consoles PlayStation, integra a lista da PS Plus Extra.
Apesar de ser um RPG online, o game não cobra assinatura mensal e nem nada do tipo. Sendo assim, se você já for assinante, vale muito a pena baixar e dedicar algumas horinhas para conhecer esse mundo pós-apocalíptico. Quem sabe você não se apaixona, né?